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‘Os Primeiros Soldados’ é um contundente drama LGBT | Crítica

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resenha os primeiros soldados

“Os Primeiros Soldados”, de Rodrigo de Oliveira é uma história da crise do HIV no Brasil. Em pouco menos de 2h somos apresentados à 3 personagens de Espírito Santo que contraíram o vírus em meados de 1983 e que precisam sobreviver. Similar ao filme americano “The Normal Heart”, do diretor Ryan Murphy, esse drama consegue ser cirurgicamente emocional, mas ainda mais efetivo, justamente por ser brasileiro. A proximidade da linguagem, da cultura, da trilha sonora, fazem de “Os Primeiros Soldados” um filme profundamente atual e próximo.

Um panorama da crise

De 1981 até agora, o finalzinho de 2021, cerca de 36 milhões de pessoas morreram por causa da AIDS no mundo. 36 milhões de vidas perdidas. Uma geração inteira de humanos que se foram por causa de um vírus que foi ignorado e demonizado por médicos, familiares, conservadores e pelo governo. Só em 1996 (14 anos depois do primeiro caso oficial no Brasil), que o tratamento para a AIDS ficou disponível no SUS. Durante todo esse tempo a doença foi uma sentença de morte para a grande maioria dos infectados.

A representação da dor

Com toda essa bagagem histórica e trágica, “Os Primeiros Soldados” se torna um filme essencial para entender como a população LGBT+ brasileira sobrevive. Esse longa do Rodrigo de Oliveira apresenta pra toda uma nova geração de jovens a história do seu povo.

Sendo dividida em alguns atos, “Os Primeiros Soldados” parece ser essencialmente um ensaio sobre a dor, um grito de desespero, e um memorial performático. Se existem centenas de filmes, livros e séries que contam as histórias de músicos, atores e celebridades perdidos pra esse maldito vírus, então também devemos ter filmes como “Os Primeiros Soldados” que celebra os anônimos. O único memorial erigido para os que se foram está na memória dos que sobreviveram. Assim, essa memória coletiva é essencial pra manter viva a história, para educar os jovens e pra evitar que isso se repita.

Atuação, atores e atrizes

De longe, Susano (Johnny Massaro) e Rose (Renata Carvalho) deram o maior show de expressividade. A dor, o medo, a raiva, a frustração; cada uma dessas emoções estava palpável e crível nas suas belíssimas representações. Os seus papeis demandavam essa carga emocional mais camp e dessa forma, nos foi oferecido um banquete que ia além do que esse reles crítico esperava.

É interessante prestar na caracterização dessas duas personagens. Susano é um homem branco, cisgênero, universitário, morando fora e casado com um gringo. Rose é uma travesti, ex prostituta, mais velha e de longe persona mais sofrida do filme. Também temos Humberto (Vitor Camilo) que completa o trio das “bichas cancerosas” em exílio, mas o rapaz tem uma participação menos central entre os três. Ainda assim, o que a princípio parece ser um desperdício no roteiro na realidade se torna um mecanismo narrativo elegante. Humberto é muito importante na trama, mas com a sua história bem amarrada e em segundo plano, o que ajuda a cimentar o trio, sem roubar o protagonismo de Rose e Susano.

“Os Primeiros Soldados” tem uma representatividade expansiva, o que ajuda a ver o quanto o HIV tem um perfil múltiplo. Mesmo no meio plural da night capixaba, o HIV não faz um recorte de classe ou origem, ele matava sem preconceitos ou cotas. Da travesti ao menino burguês, todos se tornam iguais na frente da morte.

A estética

Da temática à atuação, “Os Primeiros Soldados” é um filme humano, com floreios, licenças poéticas que complementam o que realmente importa, o sentimento. O roteiro pode parecer um pouco leviano perto de um tema tão pesado, mas a vida real é leviana nos momentos mais críticos, assim como nós também somos. Levando em consideração que o filme é uma produção de época com temática LGBT+ e um orçamento longe de astronômico, “Os Primeiros Soldados” é muito bem-feito.

O longa tem um ar meio baladinha-alternativa, jovem-chão-de-taco, roupa-de-brechó-e-vinil-da-Gal que é quase cômico; esse sentimento é irônico justamente porque a juventude prafrentex de hoje emula essa estética retrô. A caracterização é fiel ao período, mas acaba sendo meio contemporânea demais, justamente por culpa dos infinitos revivals que a moda dita. Dito isso, o design de produção e de figurino estão ótimos, complementando todo o resto do filme numa obra consistente.

Os finalmentes

Por fim, “Os Primeiros Soldados” é especial e merece a sua atenção exclusiva. O filme e o diretor fazem um apelo para relembrar a crise que foi e ainda é a epidemia do HIV. O lado bom disso tudo é que hoje é possível viver normalmente, e com saúde, mesmo sendo soropositivo. É só fazer um teste pelo SUS, que não custa nada, e você sai bem-informado, protegido e com a medicação necessária para continuar saudável. Acabou o tempo de morrer por HIV, agora isso é coisa do passado, e de ficção…

Afinal, confira o trailer do filme:

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‘Névoa prateada’, de Sacha Polak, é filme para refletir | Crítica

O longa estreia no dia 18 de abril nos cinemas de Brasília e São Paulo.

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nevoa prateada

Névoa prateada é um filme arrebatador que, com certeza, não vai passar incólume. O longa propicia emoções intensas, sejam elas positivas ou negativas. Fato que muitos não irão gostar. Alguns podem considerá-lo extremo demais, pesado demais. Os espectadores acostumados a tratar o cinema somente como forma de entretenimento e diversão provavelmente não irão gostar, já que é um filme que propõe análise e questionamentos. E que retrata uma realidade comum em alguns lugares da Inglaterra – e também de outros locais. Contudo, para quem gosta de assistir filmes que criticam a sociedade e comportamentos é um prato cheio. E para quem pretende aprender com o audiovisual também.

Mas sobre o que fala Névoa prateada?

A protagonista do filme é Franky, uma enfermeira de 23 anos que vive com a família em um bairro no leste de Londres. Obcecada por vingança e com a necessidade de encontrar culpados por um acidente traumático ocorrido há 15 anos, ela é incapaz de se envolver em um relacionamento com alguma profundidade. Até que se apaixona por Florence, uma de suas pacientes. As duas fogem para o litoral, onde Florence mora com a família. Lá, Franky encontrará o refúgio emocional para lidar com as questões do passado.

A saber, a atriz Vicky Knight, intérprete de Franky, venceu o Prêmio do Júri do Teddy Award do Festival de Berlim. Além disso, o longa recebeu indicação de Melhor Filme no Panorama Audience Award e foi destaque na programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São PauloParticipou, também, dos prêmios Dinard British Film Festival (vencedor como melhor filme), Tribeca Film Festival (indicado ao Best International Narrative Feature), FilmOut San Diego US, Sunny Bunny LGBTQIA+ Film Festival, entre outros.

Vicky Knight
A atriz Vicky Knight, protagonista do longa. Foto: Divulgação.

A diretora de Névoa prateada, Sacha Polak, costuma levar para filmes temas difíceis, que poderiam facilmente ser assunto de terapia. A necessidade de se sentir amada, preconceitos, dificuldade de esquecer uma situação, aceitação. No longa em questão, Sacha trata de vários assuntos, como autoaceitação e, também, dificuldade de perdoar. Porém, apesar de ter uma gama de temas, o filme não se torna cansativo ou confuso. Muito pelo contrário, o roteiro passa para o espectador muito bem todos os conflitos da protagonista.

Além disso, Franky não é apresentada de forma piegas ou clichê. Por ter sido vítima de um incêndio, a personagem tem marcas em sua pele que poderiam, em uma narrativa mais lugar comum, transformá-la em uma pessoa que se vitimiza ou que é vista como coitadinha o tempo todo pelos outros. Mas não é isso que Sacha quer passar para quem assiste. E, apesar de não ter uma vida fácil, é possível enxergar Franky para além de suas cicatrizes. Franky é uma personagem complexa, completa e muito bem desenvolvida, tanto pelo roteiro quanto por sua intérprete.

Talvez por já ter trabalhado com Sacha Polak anteriormente, Vicky Knight tem facilidade em transpor para a tela os conflitos internos de Franky sem deixá-la simples demais ou transformá-la em um mártir. Também ajuda ter passado por situações parecidas com as da personagem. O fato é que foi justo o prêmio Teddy Awards que Vicky recebeu, já que consegue trabalhar nos detalhes, algo que nem todo ator tem sucesso.

Fotografia

Apesar de ser um recurso bastante comum, não deixa de ser interessante ver o filme em cores mais frias, já que Franky não tem uma vida fácil e passa por conflitos internos durante todo o filme. Também é possível que tal característica seja por ter sido filmado na Inglaterra, onde não há mesmo muito sol. Todavia, fica claro que Sacha Polak – e também a fotografia de Tibor Dingelstad – quis expressar o interior de Vicky nas cores frias que vemos nas cenas.

Além disso, a escolha de planos abertos quando Vicky se encontra perdida em sua vida e planos mais fechados quando ela começa a se encontrar ajudam a contar a história da protagonista. E, também, de sua coadjuvante, Florence. Aliás, Esme Creed-Miles arrasa na interpretação da menina totalmente sem rumo e influenciável. Se há algo negativo nesse filme é que Florence poderia ter tido mais espaço. E também, talvez, poderia ter havido mais cenas de Franky e Alice. Vicky Knight e Angela Bruce têm uma química muito boa em tela e poderia ter sido mais explorada.

Angela e Vicky
Angela Bruce e Vicky Knight. Foto: Divulgação.

Para resumir, é um filme bastante introspectivo, bonito e reflexivo, que mostra, de forma original, o valor das pessoas que nos rodeiam. Névoa prateada estreia no dia 18 de abril nos cinemas de Brasília e São Paulo.

Por fim, fique com o trailer:

Ficha Técnica

NÉVOA PRATEADA (Silver Haze)

Holanda, Reino Unido | 2023 | 1h42min. | Drama

Direção e roteiro: Sacha Polak.

Elenco: Vicky Knight, Esme Creed-Miles, Archie Brigden, Angela Bruce, Brandon Bendell, Carrie Bunyan, Alfie Deegan, Sarah-Jane Dent.

Produção: Viking Films.

Distribuição: Bitelli Films.

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