Crítica
Submissão | Quem tem medo de Michel Houellebecq? Ou, quem tem medo do Islã?
Publicado
4 anos atrásem
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Pedro PessanhaA princípio, é extremamente difícil falar de Michel Houellebecq. Até porquê ele não ajuda muito. O escritor é uma polêmica ambulante. Apesar de ter ótimos livros, gosta de falar muita besteira, inclusive, dá entrevistas onde faz questão de ser escatologicamente desagradável. Ele criou há muito tempo uma persona que encarna até hoje, um pouco do estereótipo blasé francês de quem não tem muita esperança e não está ligando muito pra nada, então fala com desprezo enquanto fuma um cigarro de maneira descompromissada. Logo, qualquer um que tenha o mínimo de noção começa um texto sobre ele, ou suas obras, esclarecendo que não necessariamente concorda com suas declarações ou com suas personagens. Aliás, é exatamente isso que estou tentando fazer agora.
Submissão
Submissão é um romance que mesmo antes de ser lançado causava enorme desconforto. Quando foi lançado foi ainda pior, pois foi no mesmo dia do atentado à sede do semanário Charlie Hebdo. Inclusive, Michel Houellebecq estava na capa do jornal nesse dia. Como se não bastasse, um grande amigo seu morreu no atentado. Foi o economista e marxista Bernard Maris. O atentado foi um choque para toda França e também para o escritor. Ele perdeu um grande amigo e considera o ocorrido o maior ataque à liberdade de expressão da história do país. Agora em 2020, o jornal publicou novamente charges do profeta Maomé. Declarou que não se dobrará à ameaças e manteve seu posicionamento polêmico.
As sinopses normalmente descrevem Submissão como uma “distopia” em um futuro próximo (2022) onde a França, e depois a Europa, passa a ser governada por uma frente política islâmica. Assim, o narrador vivencia essa mudança social e política. Não é bem a minha interpretação do romance, penso que esse seja um plano de fundo para outras questões, e é isso que vou tentar discorrer agora.
Professor Doutor François
Bom, logo de início temos a apresentação em primeira pessoa do narrador e protagonista, François, um professor universitário. Desde os primeiros parágrafos ele vai falando de praticamente toda sua carreira acadêmica. Desde a faculdade até sua posição de professor Doutor na Sorbonne. Entrelaçado ao seu caminho acadêmico François descreve suas relações pessoais, sexuais, sua personalidade e mediocridade. Ele não esconde nem um pouco que é egoísta, egocêntrico, machista, preconceituoso e que tenta compensar todos os fracassos pessoais em uma carreira acadêmica. Carreira essa que mesmo segundo ele, não tem absolutamente nada de extraordinária. Ou seja, François é um grande babaca, e ele sabe disso, não procura esconder do leitor.
Esse histórico de sua vida acaba e se mescla ao presente de maneira muito orgânica. Nesse presente, François mantém uma relação basicamente sexual com Myriam, uma menina judia de 22 anos, metade da sua idade. Ela era sua aluna. Além disso, continua descrevendo seus companheiros de profissão. Sempre falando de suas teses de doutoramento e demonstrando desprezo, ou diminuindo-os. Em geral, a maneira que o autor aborda o universo acadêmico é com profunda ironia e desprezo. Contudo, em alguns muitos momentos, é bem condizente com a realidade.
Mudança política
Em seguida, no segundo terço do livro entra em cena a questão que as sinopses apontam como ponto central: a islamização política e cultural européia. Misturando personagens reais da política francesa e européia com elementos ficcionais, Michel Houellebecq cria uma eleição onde um partido islâmico consegue formar alianças e chegar ao poder. Ao mesmo tempo extremistas de direita, conservadores em geral, temem essa chegada e ensaiam uma guerra civil. No final acaba não passando de algumas confusões pontuais abafadas pela imprensa. Sem muita resistência e praticamente nenhuma violência a França passa a incorporar a cultura islâmica, à começar pelas Universidades.
Para François o primeiro impacto foi sua jovem namorada. Ela fugiu para Israel com a família antes mesmo das eleições acontecerem e o deixou sem um “refúgio feminino”. Refúgio esse que ele buscou saciar com prostitutas (que o governo muçulmano não interferiu na existência). Depois disso foi aposentado com uma confortável aposentadoria, e ficou com tempo o bastante para sentir-se inútil e deprimido.
Polêmicas
Houellebecq foi acusado de ser islamofóbico, e também foi acusado de ser conivente com “terrorismo” por conta desse livro. O ponto é que independente do que pensa Houellebecq, Submissão expõe o medo do cidadão médio francês, e talvez europeu. O cidadão medíocre não está muito preocupado com os acontecimentos políticos ou históricos, é racista, é preconceituoso. Ele está mais preocupado com a manutenção de seus privilégios. O cidadão médio francês é François. Que tinha como maior preocupação a falta de corpos femininos expostos nas ruas e na universidade. Situação que fazia seu apetite sexual diminuir.
Declínio do Império
É importante aqui esclarecer algumas coisas. A França é um país que está inserido em um contexto democrático bem estabelecido e em uma tradição “das luzes”. Além de ser um país imperialista – mesmo que não haja muito esforço de se lembrar esse fato por parte da população, até mesmo por parte do autor, que chega a dizer nem se lembrar “dessa questão” em entrevista (abaixo). É uma situação que difere bastante do Brasil, por exemplo, país que não tem nem 30 anos de experiência democrática. Essa democracia européia, assim como em muitas partes do mundo, se vê em um momento de crise. Boa parte da população não se sente mais representada por esse sistema, e isso é expresso de muitas formas. Algumas estão ilustradas no romance.
Assim como a democracia, a cultura européia se vê em franco declínio. Afinal, a França, que esteve nas vanguardas do pensamento cultural e intelectual do mundo ocidental, parece sentir esse baque com um gosto especialmente amargo. A hegemonia cultural do ocidente é constantemente posta em pauta e questionada. Aliás, a cada ano que passa fica mais frágil. Essa fragilidade tende a gerar um sentimento de revolta, uma reação que cria pensamentos reacionários e um “nacionalismo tribal” que é ilustrado no romance pelos “identitários”.
François é um exemplo dessa população média que assiste à tudo apática, e que tem como objetivo manter um conforto. É um intelectual preocupado com satisfação de seus prazeres, sejam eles sexuais, gastronômicos ou egoicos. É uma pessoa que nunca se interessou por política, pois suas necessidades estavam satisfeitas, e jamais pensaria que uma mudança política mudaria bruscamente sua vida. E na verdade não mudou tanto. Como o romance bem ilustra, sua adaptação foi relativamente fácil e conveniente.
Sagrado e sensível
Michel Houellebecq ilustra muito bem também o retorno do sagrado que é uma questão contemporânea. Depois de Nietzsche matar Deus um século atrás, hoje vivemos um retorno à religiosidades. Esse retorno é expresso de muitas formas, desde uma volta à um cristianismo radical, até um crescimento da religião islâmica com conversão do ocidente. Mas nesse meio percebe-se também uma série de religiosidades não necessariamente institucionais. No Brasil, vê-se o crescimento colossal das igrejas neopetencostais e do conservadorismo cristão. E há um crescimento considerável da fé muçulmana que tende a ser a maior no mundo.
Submissão esbarra em muitas questões sensíveis para várias pessoas, e não se preocupa em fazer isso de forma delicada. Expõe um declínio de um império europeu. A volta às religiões e tudo que envolve o sagrado. Preconceitos descarados. Mas principalmente expõe um recalque extremamente presente. Expõe uma sociedade frágil e assustada que se adéqua à situação. Mantém-se apática, aceitando tudo. Ou late ferozmente enquanto foge, como o pinscher assustado daquela tia avó.
Desconforto necessário
Michel Houellebecq é o autor francês mais lido da atualidade. Tanto na frança como fora e isso quer dizer alguma coisa. Definitivamente ele não é um bom moço, não tem atitudes louváveis, não é um exemplo a ser seguido. Mas afinal, a arte precisa de alguém que enfie o dedo na ferida e pressione. Precisa de alguém que cause desconforto, ninguém pensa profundamente lendo ou vendo coisas confortáveis. O que é confortável dificilmente levará à mudanças de pensamento.
Enfim, Michel Houellebecq não é o melhor autor que você lerá. E talvez não seja um autor para qualquer um ler, pois é muito fácil cair no papo de François e pensar com sua cabeça extremamente babaca. Contudo, Submissão é um romance interessante para se pensar a sociedade no século XXI. É importante para pensar quais são os medos e anseios de todos os François que estão por aí. E lembrar que nada é preto no branco, mas sim em escala de cinza. Afinal, o mundo não é binário, como muita gente – dando murro em ponta de faca – tenta impor até hoje.
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Historiador, mestrando em história do Brasil. Se interessa por arte de todo tipo e suas ligações com história, política e com a vida.
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Publicado
9 horas atrásem
24 de abril de 2024Por
Livia BrazilUns anos atrás, mais especificamente em 2019, o Festival do Rio (e outros festivais do Brasil) trazia em sua programação um documentário sobre a Rádio Fluminense. “A Maldita”, de Tetê Mattos, que levava o título da alcunha pela qual a rádio era conhecida, narrava sua história e, além disso, a influência que teve em seus ouvintes. Para muitos, principalmente os que não viveram a época, foi o primeiro contato com a rádio rock fluminense.
Anos depois, no próximo 25 de abril, quinta-feira, estreia “Aumenta que é rock ‘n roll”, longa de Tomás Portella. O longa é baseado no livro “A onda maldita: Como nasceu a Rádio Fluminense”, escrito por Luiz Antônio Mello, criador da rádio. Protagonizado por Johnny Massaro na pele de Luiz Antônio, o filme foca em toda a trajetória do jornalista desde sua primeira transmissão na rádio do colégio, até o primeiro contato com a Rádio Fluminense (por causa de seu amigo e cocriador Samuca) e a luta pra fazer da Fluminense a rádio mais rock ‘n roll do Rio de Janeiro.
Muito rock
Pra começo de conversa, é preciso dizer que o filme é uma bela homenagem ao gênero rock. Além de uma trilha sonora com nomes de peso, como AC/DC, Rita Lee, Blitz e Paralamas do Sucesso, o longa consegue mostrar ao espectador do que o rock é verdadeiramente feito: de muita ousadia e questionamentos. Em uma época em que o gênero vem sendo esquecido, principalmente pelas gerações mais jovens, Tomás Portella consegue relembrar a todos que o rock é sinônimo de controversão e revolução, já que foi criado para questionar os ideais vigentes da época.
Isso fica muito claro nos personagens que compõem a rádio e que a tocam pra frente. A ideologia de fazer diferente fica tão nítida na tela que eu desafio o espectador a não sair do filme com vontade de revolucionar o mundo ao seu redor.
Roteiro
Isso se dá, obviamente, por um texto muito bem escrito e uma trama bem desenvolvida e bem amarrada. O que significa, portanto, que L.G. Bayão fez um ótimo trabalho na adaptação do livro.
Mas, além disso, as atuações dos atores em cena tambémajudam muito. Apesar de a maioria dos atores nem sequer ter vivido a época (no máximo, eram criancinhas nos anos 80), eles personificam a vontade de transformar da época. Principalmente Flora Diegues, que tem uma atuação tão natural que dá até pra pensar que ela pegou uma máquina do tempo lá em 1982 e saltou na época em que o filme foi gravado. Infelizmente, a atriz faleceu em 2019 e uma das dedicatórias do longa é para ela. Merecidissimo, porque Flora realmente se destaca entre os integrantes da rádio rock.
Sintonia fina
George Sauma interpreta o jornalista Samuca, amigo de colégio de Luiz Antonio que cria a rádio com o colega. A escolha dos dois protagonistas não poderia ser melhor, já que Johnny Massaro e George têm uma química que salta da tela. O jogo de dupla cheio de piadas, típico dos filmes de comédia dos anos 1980, funciona muito bem entre os dois. Os dois atores têm um timing ótimo para comédia e, ao mesmo tempo, conseguem emocionar quando o texto cai para o drama. Tanto George quanto Johnny brilham.
Também brilham a cenografia e o figurino do filme. Cláudio Amaral Peixoto, diretor de arte, e Ana Avelar, figurinista, retrataram tão bem a época que parece que estamos mesmo de volta aos anos 1980. A atenção aos detalhes faz o espectador, principalmente o que viveu tudo aquilo, se sentir dentro da rádio rock.
Nostálgico
Para resumir, é um filme redondinho e gostoso de assistir, com atuações incríveis e uma trilha sonora de arrasar. Duvido sair do cinema sem vontade de ouvir uma musiquinha de rock que seja!
Fique, por fim, com o trailer de “Aumenta que é rock ‘n roll”:
Ficha Técnica
AUMENTA QUE É ROCK ‘N ROLL
Brasil | 2023 | Comédia
Direção: Tomás Portella
Roteiro: L.G. Bayão
Elenco: Johnny Massaro, George Sauma, João Vitor Silva, Marina Provenzzano, Orã Figueiredo.
Produção: Luz Mágica
Coprodução: Globo Filmes e Mistika
Distribuição: H2O Films.
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