Autor: Renato Santiago, Doutor em Economia pela Universidade da Beira Interior (Portugal). Professor e investigador na Universidade Lusófona na Faculdade de Ciências Económicas, Sociais e da Empresa (FCESE).
Sem sombra de dúvida, uma das maiores questões da atualidade é, com toda a certeza, o crescimento da concentração de riqueza a nível global. Segundo a Oxfam International, em 2024, os 1% mais ricos do mundo possuíam mais riqueza do que 95% da população global, sendo que, segundo a mesma organização, a fortuna destes super-ricos aumentou o equivalente a dois biliões (ou milhões de milhões) de dólares só no ano passado – cerca de 5700 milhões por dia[1]. Mas e relativamente à maioria? Com certeza que se a riqueza de quem está no topo da pirâmide aumentou de forma significativa, a de quem está em baixo também deve ter aumentado, pelo menos é essa a ideia base da chamada trickle-down economics. Bem, não propriamente. De acordo com o World Bank, se olharmos para o número de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza, isto é, com menos de 6,85 dólares por dia, vemos que este número se manteve praticamente inalterado desde 1990[2]. Para além disso, e dado que a maioria das pessoas vive do seu trabalho, também pode ser interessante atentar aos dados relativos à percentagem do rendimento global que é efetivamente auferida pelos(as) trabalhadores(as) (global labour income share). Segundo a International Labor Organization, esta percentagem tem vindo a diminuir nos últimos anos[3], dando um claro sinal de que a riqueza que é gerada globalmente está a afastar-se progressivamente dos trabalhadores e trabalhadoras e a concentrar-se cada vez mais no capital. Aliás, de acordo com o PORDATA, em Portugal, um em cada dez trabalhadores vive em situação de pobreza[4].
Assim, e pegando nestes exemplos, podemos agora dirigir-nos ao cerne da questão. Se é certo que nas últimas décadas o mundo tem sido capaz de gerar cada vez mais riqueza, também é certo que esta tem vindo a estar cada vez mais concentrada nas mãos de um conjunto reduzido de pessoas. Será normal um individuo ter uma fortuna equivalente a 1,5 vezes o PIB anual de um país desenvolvido? Será benéfico? Provavelmente será, mas só para ele. Do ponto de vista da economia e da sociedade como um todo, não é, nem nunca será. Este aumento da concentração de riqueza e da desigualdade não é sustentável, e isto está longe de ser apenas uma questão ética. Se nada for feito, as consequências económicas, sociais e políticas – até mesmo ambientais – podem ser bastante graves, como o são, por exemplo, a redução da procura agregada e do crescimento, o aumento da pobreza e da exclusão social, a amplificação das tensões e conflitos sociais, a descrença nas instituições democráticas, o perpetuamento de ciclos de desigualdade intergeracional, entre outros problemas. Tudo isto é evitável.
O aumento da desigualdade não tem de ser um dado adquirido. No entanto, para dar a volta a esta situação, é necessário que os decisores políticos utilizem ou criem ferramentas de política pública centradas na resolução deste mesmo problema. Uma das vozes mais escutadas sobre este assunto tem sido a do economista Thomas Piketty, cujo trabalho se tem baseado sobretudo na análise e na procura de soluções para combater a desigualdade e a concentração de riqueza. Entre várias sugestões interessantes, uma que tem ganho algum fulgor nos últimos anos é o chamado global wealth tax, isto é, um imposto internacional coordenado sobre o património líquido dos super-ricos, podendo depois esse montante ser investido em medidas de redução de desigualdades como, por exemplo, no fortalecimento do Estado Social, com um maior investimento em educação, saúde e proteção social (a título de exemplo, segundo o Observatório das Desigualdades, a taxa de risco de pobreza em Portugal seria de 40% sem transferências sociais[5]). Obviamente, uma medida deste género não será fácil de implementar, isto porque para além da complicada coordenação internacional que irá exigir, também irá, com toda a certeza, ter de enfrentar a oposição firme das elites que beneficiam do estado atual das coisas. Contudo a esperança é, e sempre será, a última a morrer, especialmente a esperança numa economia mais justa. Evidentemente, existirão vozes que irão apontar o mérito como o principal motivo para esta capacidade de concentração de riqueza de alguns seres iluminados, mas podemos falar sobre isso, quem sabe, num próximo artigo.
[1] Oxfam International. (2024). World’s top 1% own more wealth than 95% of humanity, as “the shadow of global oligarchy hangs over UN General Assembly,” says Oxfam [Press release]. Disponível em: https://www.oxfam.org/en/press-releases/worlds-top-1-own-more-wealth-95-humanity-shadow-global-oligarchy-hangs-over-un
[2] World Bank (2024). Poverty, Prosperity, and Planet Report 2024: Pathways Out of the Polycrisis. Washington, DC: World Bank. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/publication/poverty-prosperity-and-planet
[3] International Labour Organization. (2024). World Employment and Social Outlook: September 2024 Update. International Labour Organization. Disponível em: https://www.ilo.org/resource/news/global-labour-income-share-declines-putting-upward-pressure-inequality-sdg
[4] Fundação Francisco Manuel dos Santos. (2024). Pordata retrata a evolução da pobreza em Portugal [Press release]. Disponível em: https://ffms.pt/sites/default/files/2024-10/PR_Dia%20Internacional%20Pobreza_2024_PORDATA_vf.pdf
[5] Tavares, I., & Miguel do Carmo, R. (2025). Tendências recentes da pobreza e da privação em Portugal: O agravamento na população idosa e nas mulheres. Lisboa, Observatório das Desigualdades, CIES-Iscte. Disponível em: https://www.observatorio-das-desigualdades.com/2025/01/13/tendencias-recentes-da-pobreza-e-da-privacao-em-portugal-de-ines-tavares-e-renato-miguel-do-carmo
Este artigo foi redigido em português de Portugal e pertence a coluna Ciência editada por Matheus Belucio.