Família inova em levar às telas um assunto não muito tratado em filmes: a imigração brasileira para o Japão. E, além disso, o faz mostrando que nem todos os brasileiros que vão ao país buscando uma vida melhor prosperam, algo muito incrustado na mente da maioria dos brasileiros que acreditam que é só sair do Brasil que sua vida vai melhorar. Contudo, essa não é a única história contada no filme. E é exatamente a diversidade de narrativas que enfraquece o filme.
Claro que não é algo negativo um filme tratar de mais de um tema. Muito menos apresentar diversos personagens que aparentemente não têm ligação nenhuma mas que, ao decorrer da trama, percebe-se uma ligação. Contudo, tal fato é interessante quando é bem-feito e se desenvolve bem cada uma das tramas. O que não é o caso em Família.
Enredo
O termo dekassegui é usado pelos japoneses para designar os trabalhadores estrangeiros residentes no Japão, com ou sem ascendência japonesa. Os japoneses que migraram de províncias distantes para trabalhar nos grandes centros – como Tóquio e Osaka – também são chamados de dekasseguis. Traduzindo para português, o termo significa ‘trabalhador migrante’. O filme retrata um pouco da realidade dessas pessoas, especialmente as que trabalham nas fábricas e indústrias, que muitas vezes enfrentam condições de trabalho desafiadoras, com elevadas jornadas de trabalho e salários baixos em relação ao custo de vida no país.
Família narra a história de um artesão, interpretado por Koji Yakusho (Dias perfeitos), que acaba conhecendo o jovem brasileiro, Marcos (Lucas Sagae, em seu primeiro longa). A partir desse momento, começa a enxergar os diversos problemas enfrentados pelos estrangeiros que vivem no Japão.
Multitude de tramas
No longa, Marcos é um brasileiro que mora em um conjunto habitacional onde habitam vários outros brasileiros. Entre eles, dois grandes amigos seus e Érica, sua namorada. Um dos seus amigos rouba dinheiro de uma gangue muito perigosa e todos precisam fugir. É assim que Marcos conhece o personagem de Koji Yakusho, que se chama Seiji Kamyia.
Ao mesmo tempo, Seiji recebe de volta o filho, Manabu, que trabalha na Argélia. Ele traz a esposa, Nadia, com quem casou recentemente. Manabu conta ao pai que pretende voltar de vez para a cidade onde moram, o que não deixa Seiji muito feliz, já que ele vislumbrava um futuro melhor para seu filho.
Além disso, ainda vemos a tal gangue maltratando os amigos de Marcos – e Marcos também – enquanto eles não pagam de volta a quantia que roubaram. E sabemos mais sobre a vida do líder da gangue.
Aprofundar que afundou
Todas as tramas são interessantes, mas a forma como são mostradas ficam desconexas. Por tentar mostrar com profundidade cada uma das histórias e deixar o espectador totalmente a par de todos os personagens que considera importantes para a trama, o roteiro, ao invés disso, deixa todas as tramas muitos superficiais. Além disso, há uma sensação de falta de costura entre cada uma das histórias. Talvez se o foco fosse mais somente em Marcos e Seiji, o filme tivesse mais liga e facilitaria o envolvimento do espectador com os personagens. Não era necessário tanto desenvolvimento sobre a vida da gangue, por exemplo.
No entanto, a forma com que a trama que é realmente a mais importante – a relação entre Marcos e Seiji – acabou tornando-se superficial, já que não houve tempo suficiente para um bom desenvolvimento. Por exemplo, a forma com que Seiji e o filho entram na vida dos brasileiros é a mais rasa e estereótipa possível. É forçada uma ligação entre eles, principalmente um afeto que Érica nutre muito rapidamente pela família de Seiji, que não tem explicação. Além disso, a forma com que os brasileiros são mostrados é bastante estereotipada. Como brasileira, dá até vergonha de ver.
Um baita ator
É óbvio que é uma delícia assistir Koji Yakusho em cena. O ator já mostrou há muito tempo que é um ator de muito talento. Seu personagem, apesar de uma trama mal-desenvolvida, é muito bem-construido e um dos únicos personagens que mostram certa complexidade. Não há como negar que tal característica vem muito de sua atuação, que mostra muito com pouco diálogo. Aliás, o roteiro ganha força quando há menos ação e mais interação entre personagens de forma silenciosa. O diretor Izuru Narushima deveria ter investido mais em cenas desse tipo.
Lucas Sagae também consegue entregar um personagem com algum nível de complexidade. Ainda mais por ser seu primeiro papel, o ator brasileiro demonstrou maturidade na atuação desse personagem que pedia bastante entrega, pelo grau de emoção e conflitos internos que apresenta.
Já os membros da gangue deixaram muito a desejar. Principalmente o líder, interpretado por Miyavi, ficou extremamente caricato. Fadile Waked, contudo, intérprete de Érica, apesar de não ter uma personagem bem desenvolvida, tem um carisma tão grande que acaba envolvendo o espectador.
Faltou foco
Por fim, é triste pensar que um filme que tem um enredo tão interessante e um ator grandioso como Koji acabou se perdendo no caminho. Até mesmo o lema principal, de que uma família não precisa ser formada apenas por pessoas que compartilham do mesmo sangue pode não ser captado pelo espectador, devido à confusão que o filme é.
Todavia, o filme entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 15 de agosto.
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