Se você pegar a grande maioria dos filmes de guerra, desde os clássicos ao atuais, quais deles abordam a história de um soldado preto? Em qual obra, a dor e honra de um personagem é vista sob a ótica dessa camada da população? Talvez Spike Lee (sempre ele!) no recente Destacamento Blood (Netflix, 2020) tenha tido a coragem de falar sobre o assunto. Mas o contexto geral é que soldados pretos sejam parcialmente esquecidos como se nunca tivessem estado lá para lutar por guerras que sequer eram suas.
Contudo, Herói de Sangue (Tirailleurs), o novo filme do astro francês Omar Sy vem trazer uma luz para esse conveniente apagamento histórico e de forma relevante, conversa com aspectos ainda vistos nos dias de hoje.
Herói de Sangue é um filme sobre amor, guerra e os impactos na África
Herói de Sangue conta a história de Bakary Diallo (Omar Sy), um pai de família que cuida de uma fazenda com seu filho Thierno (Alassane Diong) em Senegal, na África, no ano de 1917. Em época da Primeira Grande Guerra Mundial, soldados franceses chegaram no país africano (e em vários outros da região como a história nos mostra) para recrutar jovens à força. Na tentativa de evitar que seu filho fosse para uma guerra estúpida que seu povo não provocou, Bakary tenta fugir de sua aldeia com Thierno mas falham e o garoto é capturado. Desse modo, o pai resolve então se alistar voluntariamente na tentativa de deserdar do exército francês com seu filho.
Para quem não sabe, Senegal foi uma das colônias francesas até sua independência, em 1969. E a partir dessa temática e contexto histórico, Herói de Sangue se transforma não em um filme de pai e filho que se amam, e sim numa trama anticolonialista tratada com desenvoltura tanto pelo diretor Mathieu Vadepied quanto por sua estrela principal. Aliás, muitos clichês fáceis desse tipo de obra (A Vida é Bela, de RobertoBenigni é uma comparação inevitável) são evitadas justamente porque mergulhamos no mundo único e invisível das tropas africanas.
Atuações
Parte da história senegalesa é contada e respeitada através de diálogos na língua fula, da África Ocidental além de mostrar diversos soldados arrancados de vários locais tentando se comunicar em diferentes dialetos, o que só mostra a cultura incomparável da região. Mas não se enganem: essa abordagem mais cuidadosa de um filme de guerra diferente vem também por conta de um lugar de amor e dedicação retratados de forma comovente nas atuações intensamente envolventes de Omar Sy e Alassane Diong como pai e filho.
Herói de Sangue não é isento de críticas pois poderia ter se aprofundado mais na questão do imperialismo francês e análises mais aprofundadas dos soldados desconhecidos da guerra. Porém ao abordar principalmente a necessidade do jovem Thierno de se encontrar e pertencer a algum lugar sem preconceitos e onde ele seja acolhido – mesmo que seja nas trincheiras de um combate militar -, o filme entra numa discussão extremamente válida sobre colonialismo e genocídio do povo preto. O ritmo lento pode afastar um público favorável e acostumado com as explosões hollywoodianas e seus “heróis” estadunidenses. Mas Herói de Sangue pode ser tornar um clássico e não precisa de drones ou de uma câmera acoplada para transmitir caos e horrores reais.
Por fim, confira o trailer de Herói de Sangue: