Um dos nomes mais emblemáticos da história do esporte brasileiro vive, agora, a vitória mais significativa da própria trajetória. Longe das luzes dos campeonatos e do peso das medalhas, ele acaba de completar dez meses sem uso de substâncias químicas, em um processo de recuperação considerado o mais estável de sua vida adulta.
A transformação acontece dentro do Projeto Dojô Recuperação, conduzido pelo terapeuta em dependência química e faixa-preta Rafael Carino. Há nove meses, Carino acompanha de perto os avanços emocionais e físicos do atleta, construindo uma rotina de cuidado integral que vai muito além dos treinos e das técnicas.
O novo capítulo ganhou um marco poderoso nesta semana: a concessão da primeira licença médica de ressocialização.
O documento permite que o lutador Fernando Tererê volte a circular em ambientes esportivos e retome o contato com uma comunidade que sempre o viu como mestre, ídolo e inspiração.

Para celebrar o momento, Tererê e Carino realizaram um seminário na Academia Four Fitness, em Laranjeiras. A presença do multicampeão emocionou alunos, professores e antigos admiradores. E, ali, diante de centenas de olhares atentos, o atleta falou com uma franqueza rara sobre o período que marcou sua queda.
“Eu nunca tinha provado drogas, não sabia que isso ia acontecer comigo. Em 2004, comecei pela maconha, diziam que era natural. Meu uso bateu com a esquizofrenia que eu não sabia que tinha. Andava de madrugada, sozinho, procurando outras drogas. Quando conheci o crack, minha carreira despencou. Não queria mais colocar o quimono”, relembrou.
Hoje, com quase 11 meses limpo, Tererê reconhece que sua recuperação só é possível pela combinação entre apoio profissional, tratamento médico e acolhimento social.
“Jiu-Jitsu eu sei. O que me faltava era a parte médica. Estou há dez meses limpo. Nunca fiquei tanto tempo assim. Quero ficar mais. Tenho o Rafael como exemplo — ele está há 19 anos limpo.”
Carino reforça que acompanhar essa jornada tem significado pessoal profundo.
“Além de ele ser um ídolo mundial, também é o meu ídolo. Ele tem muito a oferecer ao Jiu-Jitsu, não só em técnica, mas em superação. A dependência química não tem cura, mas tem tratamento. Eu vivo a minha muito bem. E agora ele também vai levar essa mensagem adiante.”

Fernando Tererê é dono de cinco títulos mundiais da IBJJF e teve sua vida retratada no filme “O Faixa-Preta”, lançado em 2022. Sua nova fase reacende a esperança de quem acredita no poder transformador do esporte — quando unido ao cuidado emocional e médico adequado.
Uma vitória sem medalha, mas de valor imensurável.



