Literatura
Seu Sílvio e O Conto da Ilha Desconhecida Grande
A linda praia de Parnaioca na Ilha Grande, José Saramago e Seu Sílvio. Leia.
Publicado
4 anos atrásem

Em O Conto da Ilha Desconhecida, o homem que queria um barco vai até o rei, mas quem nos leva nessa embarcação é José Saramago. Possuidor de um estilo único e original de escrever, usando a língua portuguesa e evitando pontuações gramaticais. Uma estilística que requer uma atenção maior, ao mesmo tempo que cria a vontade de não parar de ler. Saramago me lembrou da Ilha Grande, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Mais especificamente do Seu Sílvio. Naquela semana de um agosto qualquer, Júnior e eu trilhávamos ao redor daquela famigerada ilha. Um pequeno grande pedaço de paraíso, com várias comunidades menores e distintas entre si, cada uma dotada de personalidade própria.
PARNAIOCA E O LEÃO MARINHO
Dentre elas, existe a Parnaioca. Praia de uma rusticidade exuberante, com um cemitério e poucos moradores, local onde deságua um rio povoado por muitas cascatinhas navegadas por lendas. Dizem que em cada uma dessas quedas há uma fada brilhante. Ou uma aranha venenosa. Dos poucos moradores, Seu Sílvio é um deles. Seu quintal é um grande acampamento, onde muitos mochileiros e viajantes se hospedam. Seguindo a dica do simpático senhor, Júnior e eu mergulhamos em um canto específico do mar, onde vimos cardumes de espelhos. Na verdade, peixes prateados que refletiam o sol como estrelas atlantes.
Ali, seguimos curiosos uma tartaruga mar adentro, acompanhando embasbacados seu nadar iogue até darmos com o cansaço e percebermos o quão longe nos encontrávamos da segura areia. Onde jazia Seu Sílvio. Com estilo levemente bonachão, gostava de companhia. No entanto, os tantos andarilhos não supriam sua áspera solidão, enferrujada pela maresia. Torcia pelo Vasco, time de futebol que segue mal das pernas. Logicamente, isso não ajuda muito o nobre bigodudo. No tempo que lá estivemos, ainda pudemos acompanhar um jogo do Vasco junto a ele. O resultado? Derrota, claro.
A cada novo grupo de viajantes, o grisalho e parrudo Seu Sílvio fica ávido por alguma dama, do dia ou da noite, que se apaixone por Parnaioca e queira a seu lado ficar. A rede sempre pronta no aguardo de um peixe que alimente sua alma e vibre a vontade de viver, fornecendo uma dose diária de parceria que prolongue a fagulha de seguir adiante. Como um leão marinho solitário aguardava o cessar, ainda na esperança de um começar de novo.
SE NÃO SAIS DE TI, NÃO CHEGAS A SABER QUEM ÉS
Enquanto Seu Sílvio jaz na Ilha Grande, os personagens sem nome de Saramago mantém uma curiosidade constante no leitor em busca da ilha desconhecida. Surgem passando por portas decisórias e seguindo novos rumos, instigantes e aventurosos, sem se darem conta. “O Conto da Ilha Desconhecida” é uma metáfora da busca de si. Procurar preencher o vazio em uma viagem; a navegação, assim como a vida, tem a iminência das imprecisões. Ilha é uma chão seguro rodeado por água. Mas, como encontrar uma ilha desconhecida? É por acaso, quando você sai em busca de uma coisa e encontra outra. Quem procura uma ilha desconhecida provavelmente vai achar outras coisas distintas no caminho, talvez até muito mais valiosas e relevantes. Sabe aquela velha história de que a jornada importa mais do que o fim?
O livro conta ainda com passagens que destilam sabedoria e convidam para uma reflexão instantaneamente assim que se lê como: “Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar”, ou pérolas como “Se não sais de ti, não chegas a saber quem és”. Esta última talvez resuma um pouco o mote principal do conto. Às vezes, é necessário ir rumo ao cardume de estrelas, ad astra.
Calma, não precisa dessa grandiosidade megalomaníaca toda, uma saída da zona de conforto pode gerar o movimento, um farfalhar de asas de uma borboleta que criará um tufão do outro lado do mundo. Seguir rumo às estrelas pode ser simplesmente fazer um caminho diferente, principalmente dos já trilhados – ou navegados. Um passeio até a esquina onde a vaidade faz a curva.
NÃO SOU EU QUEM ME NAVEGA, QUEM ME NAVEGA É O MAR
A leitura do livro passa rápido, mais uma vez facilitada pela estética literária do escritor. Fica um desejo de adentrar o mar tenebroso para também procurar uma ilha desconhecida, encarar essa viagem perigosa, lúdica, dita impossível e ironizada pelos reis, pois esse tipo de ilha não mais existe, todas já estão mapeadas.
Contudo, não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar, como diria Paulinho da Viola. Esse mar é a vida; e cada vida é para ser navegada da forma que seu capitão quiser. Calcula-se algo que está por vir, sem nunca realmente saber o que aparecerá. Sua ilha desconhecida pode ser um encontro inesperado com seu reflexo, um sonho que, ilusoriamente, lhe mostra alguma verdade, concluindo em um abraço, um acordar acompanhado das gratas surpresas que uma onda pode trazer.
O COLORIDO QUE EXISTE FORA
Sentado em frente a uma tela brilhante e circunscrita para escrever esse texto, após Saramago ter me transportado para outra dimensão, e para a Ilha Grande, lembrei de outro viajante escritor, Amyr Klink: “Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.
A riqueza da democrática literatura, de um artista das palavras ao velejador, todos buscaram o desconhecido vivendo a novela diária que é a vida, a qual vamos escrevendo no decorrer dos acontecimentos. Encontrar a ilha desconhecida é se conhecer; se permitir ir além do espelho superficial. Meditar e se ver num mar de águas claras, deitado na areia morna. Todavia num encontro consigo mesmo possa ocorrer um esbarrão com um certo alguém; ao olhar para dentro, ver o colorido que existe fora. Ou ao trilhar numa praia isolada, conhecer Seu Sílvio e nunca mais esquecê-lo.
*Texto publicado primeiramente em www.blahzinga.com
Jornalista especializado em Jornalismo Cultural pela UERJ.

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Literatura
Nova edição do livro-agenda ‘Orixás 2024’ já está disponível para reserva e revela previsões
Agenda traz previsões para todos os dias do ano
Publicado
2 dias atrásem
6 de dezembro de 2023Por
Redação
Criado por Diego de Oxóssi, sacerdote na Quimbanda e Babalorixá no Candomblé, além de ser o editor e fundador da Arole Cultural, “Orixás 2024” é um compêndio diário que apresenta as previsões dos Orixás para o próximo ano. Cada página contém informações essenciais para que os praticantes e simpatizantes das religiões afro-brasileiras possam viver um novo ano conectados espiritualmente, sob as bênçãos dos deuses e deusas africanos.
Esta nova edição, reconhecida como best-seller nos anos anteriores e sendo a primeira agenda diária com ênfase nas tradições afro-religiosas, é uma boa ferramenta para aqueles que buscam aprender com a espiritualidade e compreender as energias que permeiam a vida cotidiana.
Odus
Além dos conselhos diários com inspiração no Jogo de Búzios, a “Orixás 2024” explora os principais capítulos do “Odus de Nascimento”, de Diego de Oxóssi. Assim, busca explicar como essas energias influenciam o dia a dia, como potencializar as bênçãos recebidas dos Orixás, as influências mágicas das fases da lua, e os dias e horários de Lua Fora de Curso.
“Com Orixás 2024, as pessoas terão acesso a um guia completo para compreender as influências dos Orixás em suas vidas e aproveitar as energias de cada dia. É uma oportunidade única de se conectar com o sagrado e viver em harmonia com as forças da natureza”, destaca Diego de Oxóssi.
A obra também apresenta sugestões de rituais que podem ser realizados em casa, proporcionando aos leitores a oportunidade de fortalecer sua conexão com os Orixás e vivenciar a espiritualidade de maneira prática.
Cada exemplar conta com um código-bônus exclusivo, permitindo que todos os compradores recebam seu Mapa Astral dos Orixás completo e personalizado. Para aqueles que adquirirem a agenda até 31 de dezembro, o autor também presenteia com previsões pessoais para todos os meses de 2024.
Diego conclui: “Todo início de ano temos o anseio de como viver os próximos meses da melhor forma possível. Nesse sentido, a agenda chega como uma ferramenta de auxílio na vida das pessoas.”
O lançamento será em 15 de novembro, coincidindo com o Dia Nacional da Umbanda. No entanto, os interessados já podem reservar seus exemplares com bônus de pré-lançamento através do site da editora ou de suas livrarias favoritas.
Serviço:
Orixás 2024 – Livro e Agenda
Autor: Diego de Oxóssi
Páginas: 448
Editora: Arole Cultural
Enfim, adquira aqui!
Ademais, veja mais em:
Crítica | ‘Elegbará’ é um espetáculo que bebe do imprevisível
A Saga De Um Só | Afinal, livro retrata a perseguição por causa da obra ‘Os Orixás do Candomblé’
Por fim, Pretas Ruas busca oportunidades para mulheres negras
Sobre Diego de Oxóssi
Sacerdote afro-religioso há mais de 14 anos, Diego de Oxóssi é iniciado há mais de 14 anos a Exu e aos Orixás. O empresário é também escritor, com 10 livros publicados no Brasil e três no exterior, além de ser o fundador e editor da Arole Cultural, uma editora de livros com foco em religião de matriz afro-brasileira, apresentando um catálogo de mais de 40 títulos de diversos autores. Diego de Oxóssi já realizou mais de 2 mil atendimentos oraculares e espirituais. Para saber mais, visite o site oficial de Diego de Oxóssi.”
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