Saura(s), de Félix Viscarret, procura criar um panorama da obra e vida do diretor espanhol Carlos Saura. Ele é considerado um dos grandes diretores da Espanha, junto com Buñuel, Almodóvar e outros. A proposta do filme é interessante: analisar o famoso Saura através do seu relacionamento com os muitos filhos e da sua obra.
Porém, talvez o mais interessante do filme, salvo as conversas entre Saura e sua prole, seja justamente o diretor. Ele passa pelo mesmo processo de gaslighting suave que o próprio Saura submeteu aos seus filhos. A frustração de Viscarret é visível, narrada e desenvolvida, o que por si só já traz um certo divertimento sádico para a audiência.
Afora a temática principal de relacionamentos levemente conturbados, Saura(s) é um memorial pré-póstumo (sic) da cinematografia do próprio Carlos Saura. Longe de ser mórbido, o longa procura capturar a essência do diretor, seja na sua vida cotidiana, seja no seu trabalho diário de celebridade. Saura tenta relembrar o seu próprio trabalho ao longo de Saura(s), e aqui “relembrar” é literal, visto que ele dirigiu mais de 45 filmes até este documentário ser rodado.
Memória
O filme se exime justamente de julgar a memória e como o diretor é positivamente avesso a relembrar o passado. Quando confrontado com seu arquivo de fotos e filmes Saura demonstra um misto de bom humor e seriedade ao declarar que tem medo das memórias; o filme volta a abordar este medo em vários momentos. Com os seus filhos e esposa Saura mostra uma certa apatia e distanciamento incomuns para um patriarca do seu estilo. Apesar de não esconder o quanto gosta deles, o seu foco real e raison d’être é sempre o próximo projeto, o próximo filme, o próximo prêmio ou festival. O seu trabalho de pai foi temporário, o seu trabalho de cineasta é eterno enquanto durar.
Talvez nessa aparente frieza que Saura(s) poderia perder o envolvimento da audiência. Entretanto, é justamente na forma franca que esse pragmatismo é exposto que o próprio Carlos Saura se prova humano. É natural esperar um amor incondicional de um pai, ou talvez até uma indiferença abjeta, mas esse tipo de relacionamento cordial, quase profissional, mas ainda familiar, é novo. Viscarret está longe de julgar estes relacionamentos, ele apenas o documenta, como todo bom documentário deve fazer.
Finalmentes
Viscarret se garante como um diretor ao cumprir a sua missão de traçar um perfil de um grande cineasta, mesmo que a forma com que ele opera o seu filme seja curiosa. Longe de estar dentro do filme como Wenders em Identidade de Nós Mesmos, Viscarret se mostra no limiar da intervenção, menos que um fio condutor, mas mais do que um observador passivo. Há algo de pessoal demais na sua forma de dirigir, o que por si só é curioso, visto que diretores geralmente não reclamam das suas estrelas na frente das câmeras, mas isso é algo a ser aceito como outra dentre tantas formas de dirigir. Mesmo tendo um diretor reclamão, Saura(s) funciona justamente pelo contraponto entre diretor e diretor, experiência e juventude, intenção e obstáculo.
Por fim, o filme está no ar no À La Carte, no Festival “Volta ao Mundo: Espanha”, de 3 a 16 de junho, com 12 filmes que vão desde grandes clássicos a cults modernos e inéditos nos cinemas brasileiros, além de premiadas coproduções com outros países, como Argentina, França e Itália.