“Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída” é de longe, uma das obras mais impactantes do cinema alemão. Esse filme consegue sintetizar de forma clara todo o desespero e perigo de se tornar um viciado em drogas sem em nenhum momento dar a impressão de “dourar a pílula” ou tentar amaciar a verdade.
A história
Uma biografia, “Christiane F” conta a história de Christiane F., uma jovem alemã de 14 anos, fã do David Bowie que vive com a mãe em plenos anos 70. Na cidade fria e cinzenta, Christiane encontra um escape da realidade na boate Sound, um antro de perdição, se é que essa expressão significa alguma coisa, que abraça os jovens desiludidos na agressiva noite da Berlim Ocidental.
Numa dessas noites, Christiane conhece Detlev, outro jovem que só quer fugir da realidade com música e drogas, o que acaba os aproximando. Detlev é usuário de heroína, o que à princípio perturba Christiane, mas ela acaba se acostumando com o vício, o que consequentemente a leva a querer experimentar a droga. Depois disso, é só ladeira abaixo.
Cautionary Tale
Em inglês existe essa expressão chamada “cautionary tale”, ou “história de advertência”. Na infância é normal ouvirmos histórias, causos, fábulas e anedotas sobre os perigos do mundo, mas como elas raramente são factuais ou realísticas, poucas crianças internalizam as advertências como algo mais interessante do que um conto de fadas. “Christiane F” felizmente não só é factual, como é visceral o suficiente para aproximar a audiência da experiência traumática. Qualquer jovem pode ser ver no lugar de Christiane, só mais um na multidão querendo fugir.
De tempos em tempos temos obras que usam dos mesmos artifícios (realismo, choque, violência, etc) para passar essa mensagem. Recentemente tivemos o estouro da série Euphoria, da HBO, mas nos últimos anos tivemos Skins, Réquiem para um Sonho, Trainspotting e muito mais. A mensagem é simples, alertar dos perigos que o uso de drogas podem oferecer. Ainda assim, o mundo está tão destruído que as drogas realmente oferecem algo que sobriedade nenhuma pode oferecer, o escapismo.
Em um dos momentos mais desesperadores de “Christiane F”, a nossa “heroína” e o seu parceiro estão passando pelo grosso de uma crise de abstinência, e o pânico, raiva e intensidade com a qual eles se transformam frente a possibilidade de se drogar é o suficiente para afastar qualquer vontade que eu já tive de provar algo ilícito. “Christiane F” mostra o buraco que uma pessoa chega, sem glamour, sem cigarros e olhares lânguidos, sem anorexia chic nem música envolvente. São duas crianças numa cama cobertas de suor, sangue, lágrimas e vômito lutando por umas gramas de heroína.
Finalmentes
Dessa forma, com uma mensagem tão bem entregue, um objetivo tão bem cumprido, fica impossível dar menos que um 10 para “Christiane F”. Um filme realmente assombroso que assusta, envolve e embala em duas horas de depressão, frio, drogas e o doce som da fase mais dark do David Bowie. Não perca a chance de ver “Christiane F”, principalmente com a chegada dessa remasterização incrível.
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