Dirigido por Hiroshi Okuyama, Sol de Inverno usa de patinação para falar sobre o primeiro amor e acaba deslizando um pouco ao final
O cinema contemporâneo japonês apresenta um ritmo e uma construção diferente daquela de países como os EUA, a França e o Brasil. Uma de suas características principais, é a influência de espetáculos tradicionais como o teatros ou esportes tradicionais, como o baseball, e principalmente a contemplação de imagens, algo muito presente dentro de Sol de Inverno.
Apresentando uma hora e 30 de duração, curto para os padrões megalomaníacos atuais, a produção conta a história de Takuya, um menino atrapalhado que, após se apaixonar pela jovem patinadora Sakura, é imergido no mundo da patinação artística por um renegado, e carinhoso, treinador.
Hiroshi Okuyama, além de dirigir, também realiza o roteiro e a fotografia, para assim, construir uma produção que não apresenta uma catarse gigantesca, somente em seu terceiro ato em que realmente presenciamos um grande conflito, de forma que pode ser considerada até mesmo banal ao se considerar o conflito por si: um preconceito e uma inveja velada de Sakura, perante o carinho que seu treinador Arakawa, um homem gay, tem com Takuya.
Após 125 anos de cinema mundial, já foi provado que nenhum filme necessita obrigatoriamente de um conflito, assim, a escolha de Okuyama em inserir um, em seu terceiro ato, ainda mais um tão “batido” quanto este, é curiosa. Entendo que deveria haver um rompimento deste trio que somente se uniu por um inverno, porém, tristemente, ocorre uma quebra que não chega a tirar o valor da produção, porém, a faz derrapar um pouquinho mais do que deveria.
Sol de Inverno é um filme esteticamente bem trabalhado, principalmente nas cenas que demonstram a inocência do primeiro amor, por meio de delírios de Takuya, que vê Sakura em câmera lenta e iluminada por uma luz não diegética e angelical, acompanhada por Clair De Lune de Claude Debussy, uma música que se enxergarmos nas entrelinhas, dialoga muito com a história do filme.
Kiara Takanashi como Sakura em Sol de Inverno- Divulgação Michiko Filmes
É irônico que um filme chamado Sol de Inverno, tenha como guia uma música como Clair de Lune, porém, ao mesmo tempo faz completamente sentido, após mais de 100 anos de existência, a música de Debussy representa com maestria a melancolia, a alegria e a tristeza da vida. Segundos as lendas, Debussy compôs a música após um momento de extrema solidão, um sentimento que permeia não somente a produção de Okuyama, mas grande parte da filmografia japonesa contemporânea, como o recente Perfect Days, de Wim Wenders.
Sol de Inverno é um misto de nostalgia, alegria e melancolia, principalmente se considerarmos a importância da neve para a narrativa, algo tão frágil e passageiro, porém, tão lindo. Da mesma forma que a inocência do primeiro amor e as próprias interações humanas que sempre abrem margem para problemas bem mais complexos, algo que Arakawa sente na veia, principalmente por conta da sociedade tradicionalista em que está inserido.
Hiroshi Okuyama não transmite julgamentos ao longo de sua produção, somente retrata interações deste trio nomeado acima, juntamente com uma arte minimalista, uma fotografia que apresenta uma iluminação maestra, muito silêncio, acompanhado por uma trilha sonora sutil que é transmitida por meio de um leve piano. A intenção nunca foi construir um épico e sim fazer algo bonito e tocante, um objetivo que foi cumprido com êxito.
Sol de Inverno passou por diversos festivais ao redor do mundo, incluindo o Festival de Toronto, Cannes e a Mostra Internacional de SP, chegando finalmente aos cinemas no dia 16 de Janeiro de 2025.