O monólogo provoca reflexões sobre nosso papel no mundo e sobre a sociedade que nos tornamos.
“As pessoas são egoístas”. “As pessoas não sabem votar”. “As pessoas são mal-educadas”. “As pessoas não colaboram”. As pessoas são sempre os outros, e uns outros indeterminados… Só que, na verdade, as pessoas somos nós. É esse tipo de reflexão proposta pelo espetáculo “AS PESSOAS”, ganhador do Prêmio Artes Cênicas do Sesc Nacional, que terá temporada de 4 semanas no Teatro Glaucio Gill, às quartas-feiras, dias 01, 08, 15 e 22, sempre às 20h. O espetáculo foi convidado para fazer apresentações e debates com docentes e discentes de diversos cursos, em 2024, pela Universidade de Coimbra.
No palco, as pessoas são uma só: a atriz, produtora e autora do texto Márcia Santos. Três em uma personagem chamada Zelma, que até podem ser várias pessoas, todas provocadoras. Com direção de Rogério Fanju, o monólogo aborda de maneira crítica e bem-humorada comportamentos contemporâneos que, em geral, são percebidos por nós na ação alheia. É um padrão coletivo analisar hábitos e condutas sociais a partir da observação do outro, não raro, julgando-o ou responsabilizando-o. “As pessoas não se enxergam”. Mas que abstração é essa que designamos “as pessoas”? Que entidade intangível e incorpórea é essa que chamamos de “as pessoas”?
É a personagem Zelma que joga luz sobre o modo como naturalizamos certos comportamentos, como reproduzimos padrões sociais de controle do outro e sobre a nossa imensa responsabilidade social na dinâmica de uma sociedade global – que vai da seletividade do lixo que produzimos até os conteúdos que compartilhamos em nossas redes virtuais ou reais, que disseminam e fortalecem discursos, narrativas e condutas. “Eu penso em nós, humanos. E me compadeço do diabo”, ironiza Zelma, ácida e certeira.
Aliás, confira um curta-metragem com Márcia Santos, e siga lendo:
“AS PESSOAS” foi um dos 3 textos de Márcia a entrar em cartaz em 2022. Antes dele, com sucesso de público e de crítica, ela realizou duas dobradinhas como autora junto com Édio Nunes na direção: “Joãosinho e Laíla – Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”, que esteve em cartaz no Sesc Arena Copacabana e retorna à cena em novembro, no palco do Teatro Dulcina, e “Luíza Mahin – Eu Ainda Continuo Aqui”, que estreou em 2021, foi contemplado com os prêmios de Melhor Espetáculo e Melhor Atriz (Márcia Santos) no Festival Nacional de Teatro de Varginha (MG), e segue carreira em 2022, atualmente circulando pelo SESI-SP, e com três indicações para o Prêmio Cenym de Teatro 2022 nas categorias Melhor Elenco, Melhor Qualidade Artística de Produção e Melhor Atriz (Cyda Moreno).
São peças ricas em questionamentos – subliminares ou não –, já que Márcia não perde uma chance para cutucar o público: “Como alcançar igualdade num mundo onde ninguém quer limpar a própria privada?”, indaga Zelma.
“AS PESSOAS” trata das pequenas ferocidades presentes em atos triviais do dia a dia. E, ainda que não seja possível controlar completamente a percepção e a reação do público, a montagem tenta se colocar na contramão da ideia de que o espectador seja apenas voyeur ou que se preserva intacto tal como entrou no teatro. Ao contrário, o que o texto propõe é o incômodo. Confronta o público com questões pontuais que permeiam nosso cotidiano e que denunciam diversos hábitos e condutas que passaram a ser naturalizados e que, muitas vezes, são responsáveis por inúmeros desgastes e esgarçamentos nas relações sociais.
“Propomos um teatro que, além de entretenimento, seja um provocador e inquietante estímulo à reflexão”, sinaliza Márcia Santos, que se inspirou nas relações pessoais de seu dia a dia. Relações que, muitas vezes, se vêm reproduzidas em mídias e jornais diários, chamando a atenção para como a sociedade, em seu radicalismo de pequenas guerras diárias, também pode levar à destruição. Sim, o texto de Márcia Santos também tem um caráter político.
Ela coloca a personagem entre livros e caixas, enquanto se empenha na construção de um “bunker” para se proteger do mundo lá fora. As caixas também setorizam fatos e ideias colocados pela personagem. O cenário é o esqueleto dos pensamentos dessa personagem, num eterno movimento de construção e desconstrução em simbiose com o plano de suas ideias. Em uma janela, ao fundo, rostos observam Zelma, representando todas as formas de comportamento invasivo percebidas pela personagem.
Entretenimento e reflexão. Como disse o dramaturgo e diretor francês Antonin Artaud, “uma verdadeira peça de teatro deve perturbar o repouso dos sentidos”.
SINOPSE
“AS PESSOAS” é o desabafo de Zelma, mulher instruída e cansada, que se sente inadequada, descrente e sozinha em sua forma de perceber o mundo.
Em cena, Zelma movimenta caixas e livros, talvez na tentativa de construir uma muralha simbólica, que a separe e a proteja do mundo lá fora, já que o que ela deseja, é se esconder.
FICHA TÉCNICA
Texto, atuação e produção: Márcia Santos
Direção: Rogério Fanju
Iluminação: Paulo César Medeiros
Cenografia: Daniel Leão
Música Original e Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Figurino: Wanderley Gomes
Preparação vocal: Jorge Maia
Preparação corporal: Édio Nunes
Design gráfico e arte da janela cenográfica: Rômulo Medeiros
Fotografias: Cláudia Ribeiro
Operador de Luz: Rafael Tutti e Wladimir Alves Fernandes
Operador de Som: Felipe Coquito
Serviço
“As Pessoas”
Temporada: Dias 01, 08, 15 e 22 de novembro (quartas-feiras)
Sessões: Sempre às 20h
Local: Teatro Glaucio Gill
Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/n – Copacabana
Ingressos: 40,00 inteira/ 20,00 meia
Classificação: 14 anos
Duração: 65 minutos
Capacidade: 100 lugares
Ademais, veja mais:
Ciência | Livro responde questões que você sempre quis saber
‘Furacão’, da Amok Teatro, mescla teatro, música e emoção de forma primorosa | Crítica