Nesta quinta-feira, dia 25/01 tem estreia imperdível nos cinemas brasileiros. “Bizarros peixes das fossas abissais”, filme de animação do cineasta, animador e desenhista Marão. Reconhecido como importante referência da animação brasileira, ele nos entrega seu primeiro longa-metragem, após dez anos de produção.
Logo no começo, uma mulher está em apuros em uma emboscada. Ela luta contra seus atacantes e invoca um poder um tanto inusitado para se livrar deles. Seu objetivo é tomar para si um objeto que parece um caco pertencente a um vaso. Uma pequena nuvem a acompanha. Esse é o início da trama. Tão curiosa e misteriosa quanto o título do filme
Poderes peculiares
Esta personagem, a heroína do filme, consegue transformar partes de seu corpo nos animais que quiser e na quantidade que desejar. Mas isso acarreta em algumas alterações na realidade do mundo. Como a alteração da coloração das línguas de pessoas que já tiveram catapora para azul. Ela é auxiliada por uma pequena nuvem que sofre de incontinência urinária (pluviométrica). Ela tem vergonha de urinar (chover) na frente das pessoas.
Enquanto isso, em uma loja de ferragens, reside uma pequena tartaruga obcecada com arrumação. Tal qual o detetive Monk, ela não consegue ver nada desalinhado e dispõe tudo com muita paciência e também muita irritação. Por ser muito pequena, parece, por vezes, um personagem frágil. Mas, sua determinação mostrará ser sua força, o que parece ser o grande mote do filme. Superar as adversidades a partir dos próprios medos e imperfeições.
Um mundo real e extravagante
O filme utiliza uma mescla de elementos, cenários, ações e personagens que misturam realismo com fantasia. Mesmo com tantas informações que podem parecer surreais ou aleatórias demais, tudo faz sentido de um modo vistoso e envolvente. Embora, fique nítido uma certa falta de linearidade na evolução da trama e dos personagens, a experimentação com o bizarro é o que compõe a estrutura e o deleite do absurdo.
Muitas pessoas e seres (?) surgem e querem colocar as mãos nos cacos que formam o vaso que forma um mapa. Mas porque? Quem eles são? De onde eles vêm? Como funcionam as leis da física deste mundo? Não há respostas óbvias para as muitas perguntas que surgem, porém os objetivos parecem bem claros em relação à ação dos protagonistas. O grande trunfo do filme é brincar com a quebra de expectativas e trazer uma jornada de aventura clássica sob uma estética menos tradicional e mais orgânica.
Memórias afetivas
Mas, nem tudo é apenas mistério, ação e bizarrice. Em determinado momento, a nossa heroína fala sobre suas motivações, e aí podemos entender sobre o que o filme trata realmente. O mapa leva a uma planta que supostamente pode tratar a memória. O filme nos traz um louvor às nossas memórias afetivas e a importância dos laços familiares.
Isso está presente seja na busca da heroína, seja na união casual do trio protagonista, seja na própria escolha das “locações”, como por exemplo o município de Nilópolis, na Baixada Fluminense, cidade natal de Marão. Ao chegar lá, a heroína está em busca de um armarinho e encontra o Armarinho Estrela Dalva, primeiro do município, de propriedade do pai de Marão.
Bizarros peixes das fossas abissais
Os tais peixes abissais são tão misteriosos e fascinantes quanto esse filme que os coloca em seu título. Pelo fato de serem raros de serem vistos e termos uma ideia ainda não completamente definida de como eles são, a distorção e o exagero são completamente utilizados em suas representações. Esses seres vivem numa parte do oceano que a luz tem muita dificuldade de alcançar. Muitos produzem luz própria e conseguem expandir o próprio corpo
A jornada de nossos heróis os levam ao lugar onde esses peixes habitam. Os personagens se veem de cara com o desconhecido. Um obscuro que reflete sentimentos que um indivíduo não consegue perceber e aqueles que se prefere manter dormentes, no esquecimento. Temos uma sequência visualmente deslumbrante, que remete à experiência visual da sequência da evolução da vida no mar no clássico “Fantasia”.
Dublagem e trilha musical
A dublagem é outro ponto alto do filme, com as participações de Natália Lage como a heroína, Guilherme Briggs como a nuvem e Rodrigo Santoro como a tartaruga. Apesar de contar com nomes conhecidos pelo público na dublagem do trio protagonista, as falas não são o principal elemento narrativo do filme, visto que há muitas sequências sem diálogos. Porém, nos poucos diálogos, a dublagem flui de uma forma que nos faz acreditar e nas emoções dos personagens.
A trilha musical também tem uma força grande no filme. Ela é de autoria de Duda Larson, que já havia trabalhado anteriormente com Marão. Há uma mistura de elementos, como a música tema da heroína e seus triunfos, música mais dramática, de mistério e até mais burlesca. A cada mudança de estilo e direção que o filme toma, há o acompanhamento da mudança da música.
Animação autoral
Talvez para o público que esteja mais acostumado a assistir animações da Pixar ou da Dreamworks, o estilo de “Bizarros peixes das fossas abissais” possa parecer simples ou inconstante. Mas, esse estranhamento, com certeza, deve ser dissipado logo nos primeiros minutos de exibição. Pois, essa perplexidade acaba se tornando familiar, por evocar a nostalgia de algumas animações mais famosas com traços mais experimentais.
O filme foi realizado de forma bem artesanal, com uma equipe principal de apenas 3 animadores, incluindo o próprio Marão, Rosaria e Fernando Miller. Por meio de uma animação manual, no melhor estilo Winsor McCay, onde a produção contou com a realização de aproximadamente mil desenhos por mês, no método tradicional do lápis no papel.
Esse é o grande barato de “Bizarros peixes das fossas abissais”. Enquanto as grandes produções buscam uma homogeneidade de estilo, Marão pensa a animação como uma junção de diferentes estilos. Alguns mais sofisticados que outros, mas sempre valorizando a experimentação, seja pelos traços, os detalhes (ou não) dos cenários e até os enquadramentos bem criativos. Além disso, o filme foi feito sem storyboard, com muitas cenas improvisadas.
Onde assistir
“Bizarros peixes das fossas abissais” pode não ser o filme de animação que você está acostumado. Mas, com certeza, você não o esquecerá tão cedo. A experiência de assisti-lo, certamente é instigante, divertida e muito doida. Temos aqui o resultado de um trabalho de formiguinha que visa estabelecer cada vez mais a excelência do cinema de animação brasileiro
A distribuição é da Sessão Vitrine Petrobras em parceria com a Boulevard Filmes. O filme estreia nesta quinta-feira, 25 de janeiro de 2024. Consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis.
Massa!!!!