Ao pensar em Calígula, eu sempre lembro da música A Meticulous Analysis of History do programa: Pinky e Cérebro. Uma frase presente na música, em tradução livre, é: “Calígula não era escoteiro, ele fez coisas que nem podemos falar”.
Apesar de Pinky e Cérebro não poderem falar sobre o imperador romano, homens como o diretor Tinto Brass e o produtor Bob Guccione não deixaram de tentar, com resultados diversos que levaram a um fracasso de crítica, porém a uma curiosidade do público por conta do conteúdo explícito presente dentro de uma narrativa conturbada e confusa, lançada inclusive de uma forma narrativamente desconexa. A produção se tornou tão conturbada, que levou o editor e o roteirista a retirarem seus nomes dos créditos.
Sob supervisão do historiador Thomas Negovan, Calígula: O Corte Final utiliza de 96 horas de material bruto, para construir uma novo filme, retirando as cenas explicitas filmadas por Giancarlo Lui, após o diretor original, Tinto Brass, ter sido demitido da produção, e trazendo novamente à vida o louco imperador Calígula, interpretado por Malcom McDowell, e uma perigosa Helen Mirren como Caesonia.
Sendo considerado um dos filmes independentes mais caros de todos os tempos, Calígula: O Corte Final remete a um cinema épico e grandioso que cineastas como Federico Fellini praticaram com maestria em produções como Satyricon de Fellini (1969) e Roma de Fellini (1972), passando um senso de grandiosidade e um misto de beleza e escatologia, demonstrando o grotesco e a depravação deste período da humanidade, ao mesmo tempo tão perto e tão distante.
Malcom McDowell e Helen Mirren em cena de Calígula: O Corte Final- Divulgação da imprensa
Calígula: O Corte Final tem cenários gloriosos, nudez exagerada e gratuita, momentos grandiosos e belos, violência sem nenhum tipo de pudor, coisas inviáveis no cinema atualmente, seja por receio de grandes estúdios, ou a mudança da mentalidade de um público.
Mesmo quando grandes cineastas como Francis Ford Coppola tentam recriar este tipo de épico em filmes como Megalopolis (2024), os resultados são duvidosos. Calígula: O Corte Final é um retrato de um contexto e de uma época, que continua marcante e chocante até os dias de hoje, beirando Saló ou 120 dias de Sodoma (1975, Pier Paolo Pasolini) em certos momentos, a ponto de algumas pessoas desistirem no meio do filme após cenas como o “presente de casamento” que Calígula oferece a dois recém casados, demonstrando como mesmo um filme gravado em 1979, ainda impacta o ser humano da mesma maneira que impactou em seu lançamento original.
As imagens redefinidas em 4K e a trilha sonora original permitem uma grandiosidade nova para o filme, apesar de suas 3 horas de duração se estenderem mais do que deveria, a produção varia entre momentos de uma beleza estonteante, até momentos, como a orgia das sacerdotisas de Ísis ou um excelente Tibério, Peter O’Toole, mostrando suas estátuas e troféus humanos para um jovem Calígula , que a plateia reflete: “como permitiram filmar isso?”.
Para aqueles que não conhecem o filme original, é curioso pensar que esta é a versão menos pornográfica, na medida que o filme não esconde nenhum tabu, incluindo estupro de uma virgem e um demorado ménage à trois, marcas de uma época, Roma Antiga, quanto de um cinema que não apresentava medo de cumprir sua principal função como arte: chocar.
A única questão que Calígula: O Corte Final esquece, é que o chocar somente por chocar, faz perder todo o significado, após sair do cinema, a plateia consegue lembrar de diversas cenas, algumas que talvez nunca esqueçam, porém, da mesma forma que no filme de 1979, a narrativa principal se torna secundária em prol de cenas chocantes. Apesar de ser a versão com menos genitais, parafraseando o próprio McDowell, e ser uma excelente produção épica, não deixo de pensar como seria uma história de Calígula realmente focada na narrativa e não somente em momentos chocantes para prender o público.