Dentro do desafio de agradar o fã, o que pode ser catastrófico é a tentativa de um reposicionamento mercadológico de artistas que decepcionam antigos admiradores, que acabam por não se identificar com a nova proposta de musicalidade. Em contrapartida – e o que coloca um “D” maiúsculo nesse desafio no cenário musical – fazer o mesmo show ao longo dos anos, sem alterações também corre o risco de não agradar o público que pede uma atualização constante de seus artistas favoritos.
Na última sexta, 18, no Teatro Riachuelo Rio, Cícero, artista da nova MPB parece ter pego o pulo do gato no seu projeto concerto 1. A proposta traz um visagismo aliado à música em um show que reestrutura os arranjos de músicas de seus 5 álbuns lançados, mistura artes visuais, tecnologia e remolda a caixa cênica aquecendo o coração dos fãs que esperam o tom poético dos primeiros discos com a contemporaneidade do estado atual de sua carreira.
O espetáculo, em turnê pelo Brasil em 2023 é à princípio um voz e violão com projeções aleatórias. Porém, ao longo do show, entendemos que a estética visual é criada para gerar uma atmosfera combinada com a sonoridade das musicas e leva a uma imersão que é tão criativa que apesar de não deixar claro se é música, teatro, artes visuais, cinema, as definições são descartáveis.
É aquele velho “é ao mesmo tempo tudo isso e nada disso”
A brincadeira com palavras já conhecida nas composições do artista alcança um novo patamar com inserções de trechos de Chico Buarque, Tim Maia e Cartola, assumindo referências no teor de homenagens e revisitando suas músicas, algumas lançadas há mais de 10 anos. Assim como as capas de seus discos, que aparecem em projeções em formatos de mini-filmes conversando com as dinâmicas musicais.
Um destaque muito interessante foi a orquestra, através da projeção. No início do show de Cícero, os músicos entram em cena no que parece uma gravação, e é mostrado ao público através de um telão. O efeito das músicas tocadas em sequência (sem pausa para um bate-papo entre artista e público) com músicos que não estavam de fato ali, mas interagiam com a cena, foi surpreendente. Ao longo do show, a imagem da orquestra tomava novos rumos com distorções, efeitos e outras gravações.
O desenrolar de uma noite poética trouxe sucessos antigos de Cícero de uma forma nunca vista antes. A sensação que fica é de um trabalho que parece ter nascido para esperar esse projeto. A obra tem um conceito excelente e uma execução à altura.
Ademais, veja mais:
Gui Fleming | “A psicanálise me influenciou a pensar que arte e loucura tem tudo a ver”