Dirigido por Jake Schreier, Thunderbolts* não salva o MCU, porém, ao explorar questões mentais, se torna mais profundo do que outras produções do estúdio, e isto é o suficiente
Obs: A seguinte crítica possui spoilers de Thunderbolts*
Boas histórias, do mesmo modo que bons filmes, não se destacam somente por sua narrativa, porém, encontram eternidade por conta do retrato humano e espelhamento social que encontramos nelas. Não importa se seja um homem das cavernas avisando de um mamute perigoso, uma menininha de capuz vermelho ou um super herói em um período difícil da vida. Isto fala com o espectador, nos relembra de quem somos, nos ensina algo, nos traz conforto, por conta desse e outros motivos que a história em quadrinhos, do mesmo modo que a literatura e o cinema, nunca irá morrer.
As boas histórias em quadrinhos atuam hoje como os contos de fadas atuaram no século XIIX e XIX, de forma lúdica e onírica, são histórias fantásticas que nos trazem lições de moral e discutem fatos importantes da sociedade, por conta disso que gostamos, colecionamos e discutimos até hoje. Histórias como Watchmen (1986, Alan Moore), Sandman (1989, Neil Gaiman), Demônio na Garrafa (1979, Bob Layton e David Michelinie), X-Men: Deus Ama, Homem Mata (1992, Chris Claremont), entre tantas outras, não se tornaram clássicos, discutidos até mesmo em artigos científicos, somente por serem histórias de pancadaria entre super-heróis, elas são estudos sociais que utiliza super heróis como objetos para ampliar seus temas, alguns bem densos, pois bem, Thunderbolts* constrói algo parecido.
Analisando Thunderbolts* puramente como um filme da Marvel, dentro de uma saturação do “gênero de herói”, vemos que a produção segue uma linha tradicional que foi pouco quebrada desde o primeiro Homem de Ferro (2008, Jon Favreau), com piadas a todo momento, protagonistas que não se levam a sério, e um arco dramático que abre portas para futuros filmes da franquia.
Porém, muito além disso, Thunderbolts* se sobressai perante este mar de mesmice por meio de dois destaques: o primeiro é a sua fotografia, seguindo a tradição de outras produções de ação como John Wick (2014, Chad Stahelski), a câmera acompanha o movimento da ação, direcionando o olhar do espectador ao invés de apresentar corte atrás de corte, ocasionando uma maior suavidade para a cena, isto ocorre em diversos momentos, com destaque para o primeiro confronto entre os Thunderbolts e o antagonista Sentinela.

Cena de Thunderbolts*- Divulgação Oficial
A escolha de uma paleta com tonalidades cinzas, ao invés de algo colorido como vimos em Thor: Ragnarok (2017, Taika Waititi), transmite a alma interna de seus personagens, principalmente de Yelena, a verdadeira protagonista e fio condutor da narrativa. Ao focar em personagens menores, quebrados, fracassados, Thunderbolts* apresenta liberdade para se tornar o Divertida Mente (2015, Pete Docter) do MCU, não por conta do fator animação, mas por apresentar margem para lidar e discutir assuntos densos e difíceis como depressão e transtorno mental, sem perder a sua narrativa, ou aparentar artificialidade.
Thunderbolts* não fez a sala inteira chorar por focar em multiverso ou em uma pancadaria vazia, ele fez isso ao nos lembrar que nós gostamos de super heróis por conta do fato deles serem deuses, mas, gostamos mais ainda pelo fato de serem humanos, de falharem, terem sentimentos, crises, que cometem erros, se arrependem e se levantam, se tornando brinquedinhos em caixas de cereais e algo que motiva o público, pois isso que um herói faz, mesmo nas situações mais complicadas.
Se refletirmos por um momento, o MCU está em decadência desde Vingadores: Ultimato (2019, Joe e Anthony Russo). Podemos perguntar o porque, e a resposta que consigo chegar é a morte de Tony Stark. Um personagem introduzido em 2008, egoísta, narcisista e que somente se preocupava consigo mesmo, até que acompanhamos sua jornada de redenção, o vemos mudar, se tornar mais humano, menos deus, até ao final ele se sacrificar por toda a humanidade. Tony era o verdadeiro protagonista deste universo, uma jornada de redenção que demorou 11 anos e 22 filmes, e que desde então o MCU tenta achar um protagonista para preencher este vazio.
Enxergamos em Yelena muitos dos traços que fizeram Tony Stark ser tão querido, principalmente se considerarmos o fato que ambos são falhos, ambos são humanos, ambos apresentam arrependimentos e ambos são amedrontados pelo passado. Na verdade, todos os personagens principais de Thunderbolts* apresentam arrependimentos, e isto que os faz tão interessantes, eles apresentam uma psicologia por trás, os personagens apresentam camadas, alguns mais, outros bem menos, porém, sem exceção, todos mais interessantes do que o puro Sam Wilson, no recente Capitão América: Admirável Mundo Novo (2025, Julius Onah).
Thunderbolts* deixa de lado a glória do Capitão América, para focar nos substitutos, aqueles fracassados que ninguém gosta ou lembra que existem, e ainda bem por isso, afinal, é vigorante acompanharmos uma protagonista de um filme de herói que apresenta uma crise tão clara, enunciando logo no inicio que sente um vazio em si, faltando um propósito, faltando um sentimento de gratificação na vida, algo que sem exceção, todos passamos, querendo ou não, e muitos devem lidar sozinho, ocasionando um sentimento ainda mais pesado, uma discussão tratada no filme não de forma explícita, porém, com muita sutileza e graça.

Cena de Thunderbolts*- Divulgação Oficial
Podemos fazer uma comparação óbvia entre Thunderbolts* e O Esquadrão Suicida (2021, James Gunn), porém, ambas as produções são diferentes em suas abordagens. O filme de Gunn é grandioso, tanto em seu cenário, quanto em sua história, percorrendo diversos personagens, muitos cenários, uma destruição em massa com uma estrela do mar e uma Viola Davis que limpa o chão com Julia Louis-Dreyfus, enquanto o filme do MCU é mais contido, ocorrendo em um período de 4 dias, e apresentando uma jornada menor, além disso, Schreier utiliza de uma artimanha que foi pouco utilizada por Gunn: a discussão sobre saúde mental.
Bem mais do que um degrau no MCU, Thunderbolts* discute com muito sentimento e franqueza o tópico de depressão e problemas mentais. O filme apresenta uma das histórias mais densas e pesadas de todo o MCU, e deve ser recompensado por isso, afinal, esta é uma produção que somente encontra seu público e seu sucesso, neste período que os filmes de heróis estão em um período de queda.
Thunderbolts* revoluciona o gênero? Não. Porém, ele apresenta muito valor, afinal, ao unir a jornada micro-cósmica de Yelena com a macro-cósmica de um antagonista que cria um vazio, nos colocando em contato com os nossos maiores medos, a produção traz um frescor para um gênero saturado, por meio de algo muito presente nos melhores quadrinhos e abandonado constantemente em suas adaptações cinematográficas: estas histórias são contos de cautela e zelo, elas criam um sentimento de conforto e de espelhamento, entre a narrativa e nossas vidas, nos tocando no coração e nos levando a lugares que não pensaríamos que iríamos, este é o maior crédito de Thunderbolts*.
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