Marte Um, talvez uma das maiores obras do cinema nacional das últimas décadas, é um filme político, mas daquele jeitinho que apenas o brasileiro consegue ser e fazer. Longe de pegar em armas, militar ou discutir, o belíssimo longa do diretor Gabriel Martins, mostra a resistência real da vida no dia a dia, seja no trabalho, escola, amor, lazer, e o que mais aparecer pelo caminho.
Direção
Gabriel Martins não é um novato. Diretor de longas premiados como No coração do mundo e O nó do diabo, Martins tem uma linguagem estabelecida que mostra um profundo respeito pelas pessoas. Focando apenas em Marte Um, podemos ver uma ode à real família tradicional brasileira. Pessoas que lutam todo dia para manter a cabeça em cima d’água, sempre com bom humor, uma carne na brasa e futebol.
Com uma visão hiper-realista que apenas um verdadeiro suburbano poderia ter, Martins retrata em alta fidelidade a essência da sobrevivência BR, não só em espírito, mas em sua estética e cultura. O trabalho desse jovem diretor é especial justamente por ser a obra de uma pessoa que vem da massa.
Produção
Espero que esteja claro que Marte Um é um baita filme. Da cinematografia emocional e precisa, até a trilha sonora impecável, tudo funciona harmoniosamente. Apenas com o trabalho de excelência de toda a equipe que esse filme chega tão longe, mas ainda assim existe um atributo especial que salta aos olhos. O design de produção simplesmente deu um show. Como um morador do subúrbio carioca, noto que alguns objetos saltam aos olhos e contam toda uma história econômica, social e política apenas com a sua existência em cena. Uma reles geladeira marrom com ímãs de biscuit me convenceu da qualidade do longa mais do que qualquer crítica, resenha ou recomendação poderia fazer.
Sim, ímãs de geladeira, um detalhe simples, mas que apresenta um mundo tão real, tão palpável, tão próximo da minha realidade, que não pode deixar de me levar às lágrimas. Novamente, sim, é um detalhe passageiro e banal, mas que mostrou que aquela história é similar à minha realidade. Me trouxe memórias da minha falecida bisavó. De almoços de família no verão. Me lembrou das suas vaidades e de como toda superfície deveria ser decorada com algum item kitsch e popular de lojas de 1,99. Me fez revisitar as casas de parentes que moram longe, mas que tem a mesma linguagem estética. Esse imã nessa geladeira fez mais pela minha imersão do que muitos sets completos de outros filmes puderam fazer. A construção de mundo em Marte Um é íntima, pessoal e específica, o que impulsiona todo o resto da narrativa no caminho certo.
Conclusão
Por fim, mesmo entendendo que o Oscar é um prêmio burguês que representa o zeitgeist da indústria americana de cinema, Marte Um merece ganhar. A estatueta dourada passou nas mãos dos maiores diretores, atores, fotógrafos, compositores, enfim, da nata da nata dos maiores profissionais que essa indústria poderia apresentar, menos nas mãos de um brasileiro. Só nos resta torcer, ansiosa e violentamente, para que Martins seja indicado e que traga esse carinha dourado para casa.
Ademais, veja mais
Crítica | ‘O livro dos prazeres’ é adaptação sensível e certeira de Clarice Lispector