Dirigido por Adam Elliot, Memórias de um Caracol é um filme maduro que não tem medo de pegar pesado quando deve.
Apesar de a animação ser um formato cinematográfica que agrada à adultos e crianças, acredito que graças à Disney e uma quantidade grande de produções animadas educativas, foi se construindo uma ideologia social que animação é uma produção majoritariamente para o público infantil, apesar da afirmação não estar 100% errada, afinal, o mercado de animação se encaixa perfeitamente com crianças e bebês, vide as produções da Discovery Kids como Peppa Pig (2014, Mark Baker, Neville Astley), ao analisarmos alguns filmes, vemos como ela é equivocada.
Na época de lançamento de Festa da Salsicha (2016, Conrad Vernon, Greg Tiernan), um cinema na Califórnia exibiu, por acidente, o trailer da animação adulta, durante uma sessão de Procurando Dory (2016, Andrew Stanton). Independente da qualidade de ambas as produções acima citados, não consigo encontrar exemplo melhor para demonstrar o quão amplo, e complexo, o formato da animação consegue ser, desde uma produção sobre uma peixe com perda de memória recente, até um filme que termina com uma grande orgia sexual alimentícia.
A animação é um formato que pode impactar da mesma forma, e até mais, do que grandes produções cinematográficas live-action. Por conta de ser uma produção animada, e muitas vezes fantásticas como no caso de de produções do estúdios Ghibli, a identificação com seus personagens se torna mais fácil, e os simbolismos presentes, como no caso de A Viagem de Chihiro (2001, Hayao Miyazaki), se tornam infinitos e muito mais lúdicos, como é no caso de Memórias de um Caracol.
Confira abaixo o trailer de Memórias de um Caracol e continue lendo:
Memórias de um Caracol é uma história sobre as dificuldades da vida e a força do amor fraterno. Grace é uma menina introvertida e obcecada por caracóis, e Gilbert é um menino genial, porém, reprimido por seu jeito de ser. Ao serem separados após o falecimento do pai, ambos trocam cartas diárias e vivem suas próprias jornadas de perseverança e dificuldades, enquanto sonham em se reencontrar.
Memórias de um Caracol-Divulgação oficial Mostra de Cinema de SP
Da mesma forma que Mary e Max- Uma Amizade Diferente (2009, Adam Elliot), Memórias de um Caracol se utiliza de uma narração constante e não tem receio de mostrar as dificuldades, e as consequências que elas podem ocasionar em nossas respectivas vidas, seja traumas, jaulas auto impostas, entre outras questões que são discutidas ao longo da produção de forma fria e real.
A escolha do stop-motion traz uma humanidade e uma simpatia para seus personagens, mesmo considerando que eles não são esteticamente agradáveis, cada um apresenta uma individualidade memorável e se destaca com pouco tempo de tela, seja Pinky e seus trejeitos, o marido de Grace e seus gostos peculiares, ou a família religiosa que adotou Gilbert. Todos constroem uma ideia do que é a vida, e auxiliam na jornada de seus protagonistas, seja para o bem ou para o mal.
Ao discutir temas como morte, luto, vícios, fetiches, preconceitos, entre outros, a produção prova que definitivamente não é para crianças, não apresentando filtro em retratar as mazelas do nosso dia a dia, em certos momentos de forma bem gráfica, afinal, a vida real não tem pena de nós, da mesma forma em Memórias de um Caracol, chegando a tal ponto que não aguentamos mais ver Grace sofrer, somente desejamos que ela seja feliz, por conta disso, o final da produção é tão catártico, nos trazendo finalmente paz, juntamente com ela.
Com uma forte mensagem sobre aceitar o passado e seguir em frente, sem deixar de lado uma discussão sobre a própria questão estética, em um filme que passa longe de uma “estética pura e limpa” como é Divertida Mente 2 (2024, Kelsey Mann), Memórias de um Caracol amadurece na medida que enxergamos uma amiga em Grace, alguém que desejamos ver vencer na vida, mas, que compreendemos que a jornada não é fácil, porém, ao final, é mais fácil enxergarmos esta questão no outro e aplicá-las depois em nossas próprias vidas, este espelho é sempre eficiente.
Memórias de um Caracol- Divulgação oficial Mostra de Cinema de SP
Com um roteiro afiado e o devido tempo para apresentar toda uma paleta de emoções que vão do humor absurdo, ao drama destruidor, sem medo de demonstrar medos e traumas, Adam Elliot constrói uma homenagem à vida, com todas as suas falhas, medos e ansiedades. Apesar de ser algo tão difícil, ainda existe o amor, a amizade e o carinho, que nos puxa para frente e nos levanta a cabeça para um próspero futuro.
Indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2025, e vencedor de melhor direção da 48º mostra de cinema de SP, Memórias de um Caracol tem distribuição Mares Filmes e estreará nos cinemas no dia 05 de Junho, também em versões acessíveis.
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