Dirigido por Uberto Pasolini, O Retorno adapta o último ato da Odisseia com uma abordagem contida, realista e profundamente humana, sem deuses ou monstros, mas não menos grandiosa
Segundo o mitólogo Joseph Campbell, A Odisseia de Homero é um livro de iniciações e reconexões. Depois de dez anos na Guerra de Troia, onde heróis como Aquiles, Agamemnon e Odisseu viveram guiados pelo pathos, apenas a astúcia, o logos, do Cavalo de Troia trouxe vitória. Porém, esses homens retornaram tão imersos em suas imagens de guerreiros que precisavam de outra jornada para se reconectar com o lado humano, afetivo, “feminino” que haviam deixado para trás, como visto nos relatos de estupros e assédio após a queda de Troia.
Muitos guerreiros falharam, Agamemnon, líder grego, foi morto por sua esposa Clitemnestra após o seu retorno. Já Odisseu, recebeu dos deuses uma provação maior: dez anos vagando, enfrentando monstros externos e internos, até estar pronto para retornar não somente à Ítaca, mas também ao seu posto de rei e marido.
A produção dirigida por Uberto Pasolini, italiano, produtor, ex-banqueiro e sobrinho de Luchino Visconti, não entrega um épico hollywoodiano. O Retorno é mais intimista: um olhar sobre o guerreiro que, ao reencontrar sua terra, precisa confrontar não somente os inimigos físicos, na forma dos pretendentes de Penélope, mas também os seus próprios arrependimentos e fantasmas.

Ralph Fiennes em O Retorno- Divulgação O2 Play
A escolha estética é poderosa. A fotografia naturalista ressalta os detalhes, a trilha sonora equilibra épico e contemplação, e o roteiro intercala filosofia, reflexão e ação com precisão. Cada cena faz a narrativa avançar rumo a um clímax catártico, em uma jornada lenta, porém, jamais cansativa. Mesmo em momentos intimistas, como Odisseu, ao redor da fogueira, contando sobre a Guerra de Troia, traz um ludismo que permite o espectador viajar e imaginar exatamente aqueles momentos, e isto é algo mágico.
Ralph Fiennes e Juliette Binoche elevam o filme. O Odisseu de Fiennes carrega a força de um guerreiro, mas também o peso de erros passados que cometeu em Troia, em sua jornada e no abandono de sua família e casa, vendo ao seu retorno o impacto de suas decisões, assim, sua última provação para paz não é contra ciclopes ou sereias, mas contra si mesmo e seus iguais.
Em contrapartida, Juliette Binoche compõe uma Penélope não menos poderosa, baseando sua atuação em contenção e resistência, revelando sua verdadeira força em gestos sutis. Penélope teve que se manter forte por quase vinte anos, sendo assediada por pretendentes que dominaram sua própria casa e a ilha como um todo, não somente por ela mesma, mas também por conta de seu filho, Telêmaco. Assim, acompanhamos uma personagem rica, densa e o complemento ideal para o personagem de Fiennes.

Ralph Fiennes e Juliette Binoche em O Retorno- Copyright Ithaca Films / Marvelous Productions
Pasolini conduz momentos simbólicos, como a morte do cachorro Argos ou a cena do arco, com a mesma força que dá às sequências de ação, sempre grandiosas pelo peso emocional que carregam. Quando Odisseu finalmente revela sua presença, a espera se justifica: o corpo em cena anuncia o desfecho inevitável que desde o começo sabíamos que iria acontecer, queira o público tenha conhecimento prévio da história, ou não.
No fim, O Retorno é mais que um relato sobre voltar para casa. É a história de um homem que precisa se reencontrar, reconciliar-se com o que perdeu e descobrir, outra vez, quem é. Pasolini demonstra que a Odisseia permanece viva porque fala menos de monstros e deuses, e mais daquilo que nunca envelhece: a necessidade humana de reconexão consigo mesmo, e com aqueles que ama.
Com distribuição da O2 Play, O Retorno chega aos cinemas brasileiros no dia 4 de setembro.
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