Dirigido pela panamenha Ana Endara, Querido Trópico é um daqueles filmes que falam baixo, mas deixam um eco prolongado.
Poucas experiências humanas são tão desestabilizadoras quanto testemunhar alguém querido se perder de si. Ver uma pessoa antes lúcida, alegre e cheia de vida definhar diante de nossos olhos é algo cruel, uma dor que abala não apenas o indivíduo, mas toda a teia de relações em torno dele. É nesse terreno dolorosamente humano que se instala Querido Trópico, em um retrato de cuidado e ternura como formas de resistência.
Assim como Toque Familiar (2025, Sarah Friedland), Querido Trópico aborda o Alzheimer sem jamais nomeá-lo diretamente. A doença aparece apenas através de seus efeitos, lapsos, desorientações, mudanças sutis de comportamento, que se infiltram na rotina de Mercedes, uma mulher que começa a perder a sanidade, e de Ana Maria, sua jovem cuidadora grávida e estrangeira, tentando equilibrar o seu trabalho com a incerteza de um futuro que a assusta.

Paulina Garcia em cena de “Querido Trópico”- Divulgação Filmes do Estação
A relação entre ambas é o verdadeiro coração da narrativa. A estrutura é familiar: duas mulheres que começam em desavença, distantes, até que a convivência as aproxima e transforma. Endara, porém, investe nessa previsibilidade como espaço para explorar o afeto, um vínculo que nasce da necessidade e se transforma em amizade, algo que nem a morte ou a interferência da família conseguem apagar.
A simplicidade estética reforça essa intimidade. A cinematografia aposta em planos longos e em uma câmera próxima, que acompanha os corpos e os silêncios das personagens com respeito. A luz tropical, quente e mutável, reflete o estado emocional de suas protagonistas: ora serena, ora carregada de umidade e confusão, enquanto o design de som merece destaque, sobretudo na cena em que Mercedes, durante um jogo de baralho com as amigas, começa a perder a audição: o som se fecha, o ar parece rarefeito, e o espectador é tragado para dentro de seu mundo de privação e desorientação.
Se há um ponto frágil, ele está no arco narrativo de Ana Maria. A gravidez, que serve de motivo para o emprego como cuidadora, acaba revelando-se uma mentira, um elemento de virada que, embora gere uma bela cena de cumplicidade entre ela e Mercedes, dilui parte da força dramática da história, quando a produção teria mais a ganhar se investisse esse tempo na consolidação da amizade, já suficientemente rica por si só.
Ainda assim, Querido Trópico emociona ao propor um olhar desarmado sobre o envelhecimento e a dependência. Endara evita discursos fáceis sobre classe social ou imigração, temas que, por bem ou por mal, surgem apenas como pano de fundo, e concentra-se no gesto de cuidar: o toque, o riso partilhado, a paciência diante do esquecimento, revelando como o afeto pode florescer até mesmo em meio à perda e ao desamparo.

Paulina Garcia e Jenny Navarrete em cena de “Querido Trópico”- Divulgação Filmes do Estação
Comparável em sensibilidade a Sr. Blake ao Seu Dispor (2025, Gilles Legardinier), o filme compartilha dessa sensação de conforto que surge após a dor: um consolo discreto, mas genuíno, não reinventando o gênero, mas deixando sua marca pela sinceridade e pela ternura.
Ao final, a força de Querido Trópico está menos nas reviravoltas e mais nos silêncios, nos gestos e na inevitável fragilidade que envolve quem cuida e quem é cuidado, tudo rodeado por um retrato delicado sobre a perda da consciência e, sobretudo, sobre o amor que resiste mesmo quando a memória já não reconhece mais os rostos, ou os cuidados ao redor.
Distribuído pela Filmes do Estação, Querido Trópico estreia nos cinemas no dia 13 de novembro.
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