Dirigido por Felipe Vargas, Rosario explora a herança mexicana nos Estados Unidos, mas, em sua própria ambição, acaba construindo um terror diferente do que pretende
As culturas e ritos tradicionais carregam uma riqueza de sabedoria pouco explorada pelo cinema. Basta lembrar que, com o conteúdo do livro Mitologia dos Orixás (2001, Reginaldo Prandi), um roteirista habilidoso poderia desenvolver dezenas de produções marcantes, dada a profundidade ancestral que tais tradições preservam, e que muitas vezes foram apagadas pela colonização cristã e pela cultura contemporânea, sobretudo norte-americana e inglesa. Nesse contexto, o Palo, religião tradicional do Congo, surge como ponto de partida narrativo para Felipe Vargas, diretor colombiano, explorar raízes culturais e legado familiar em sua estreia na direção, com o filme Rosario.
A protagonista, Rosario, quando criança, era próxima da mãe e da avó. Mas após o divórcio dos pais, afastou-se da família e de suas origens, passando a viver sozinha em Nova Iorque sob o nome americanizado de Rose. A morte da avó a obriga a retornar, um trope clássico de filmes de terror, e confrontar a culpa por ter abandonado suas raízes. A premissa é forte, mas a execução falha em sustentar o peso emocional prometido.

Emeraude Toubia em cena de Rosario- Divulgação Imagem Filmes
O grande problema está justamente em sua personagem principal. Rosario deveria carregar o arco dramático e conduzir o público, mas se mostra frágil, pouco envolvente. O luto pela mãe e a culpa por não ter comparecido ao funeral ganham forma na figura de um demônio, mas, mesmo assim os rituais que fundamentam essa manifestação nunca ficam claros, e a punição que se impõe à protagonista parece arbitrária. Pior: ela age sempre conforme a conveniência do roteiro, descobrindo soluções apenas no momento certo, mesmo que antes estivesse completamente perdida.
Um exemplo gritante surge na transição do segundo para o terceiro ato, quando Rosario encontra o livro de Palo da avó, repleto de rituais e maldições. O que primeiro parecia algo desconhecido torna-se, de um corte para outro, um campo em que a protagonista se transforma em especialista absoluta, apenas porque a narrativa exige. Esse tipo de recurso artificial se repete diversas vezes, em maior ou menor escala , prejudicando a coerência do filme.
Visualmente, o apartamento da avó é envolto por uma iluminação que oscila entre verde e vermelho, compondo uma atmosfera que deveria intensificar a imersão. No entanto, o terror aqui não nasce das emoções humanas ou da trajetória de Rosario, mas do grotesco pelo grotesco, imagens perturbadoras que não têm raiz no drama da personagem. Mesmo com um monstro bem concebido, a falta de verossimilhança interna esvazia o impacto: assusta pela superfície, mas não ressoa internamente, se tornando vazio.
A direção de arte acerta ao criar os altares ritualísticos do Palo, ricos em detalhes, mas falha por não utilizá-los em sua plena potência dramática, servindo apenas como ornamentos. O ritmo, por sua vez, compromete ainda mais a narrativa: apesar dos breves 88 minutos, o filme parece muito mais longo, desgastando o espectador.

Cena de Rosario- Divulgação Imagem Filmes
Quando finalmente ganha fôlego, em uma cena que especifica a alegoria da imigração mexicana e do esquecimento das tradições, simbolizado pelo pacto que a família de Rosario faz com um demônio, o público já está distante. Desde cedo, fica claro que o vizinho interpretado por David Dastmalchian é mais interessante e complexo que a própria protagonista, que no fim, por conta de falta de empatia do público, não importa se vive ou morre.
Em seu final, o arco de Rosario é aquele que o público desde o começo sabia que iria ocorrer, com sua protagonista ganhando humildade e abraçando suas raízes familiares, porém, até chegar neste estado, passa por uma jornada tão vazia que apesar de marcante para ela, para a audiência se torna bem menos eficaz.
Rosario estreia nos cinemas em 28 de agosto, com distribuição da Imagem Filmes.
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