Dirigido por Lola Doillon, Uma Mulher Diferente é um filme leve e necessário, ainda que se estenda mais do que deveria em seu próprio retrato.
A representação do autismo no cinema é marcada por estereótipos e equívocos, afinal o espectro é retratado como uma “doença mental” ou, no extremo oposto, como uma fonte de “superpoderes”, como visto em Rain Man (1988, Barry Levinson). Em contraposição a essa visão distorcida, Uma Mulher Diferente propõe um retrato naturalista e humano, reconhecendo as pessoas autistas como indivíduos comuns, que apenas percebem e interagem com o mundo de maneira diferente, seja na sensibilidade a sons e luzes, as dificuldades sociais ou a franqueza. São pessoas que sentem, riem, choram e amam como qualquer outra, e esta humanização é o grande triunfo de Uma Mulher Diferente.
A trama acompanha Kátia, uma documentarista talentosa que mantém uma relação conturbada com o ex-namorado, Fred. Ao ser designada para realizar um documentário sobre autismo, ela descobre, já adulta, o seu próprio diagnóstico, uma revelação que transforma profundamente a maneira como se enxerga e como se relaciona com o mundo ao redor.

Jehnny Beth em cena de “Uma Mulher Diferente”- Copyright Memento Distribution
Por conta do assunto clínico, Uma Mulher Diferente adota um tom excessivamente didático, explicando de forma direta o que é o espectro autista, suas variações, as maiores diferenças entre portadores homens e mulheres, entre outras. Essa escolha se justifica pela própria profissão da protagonista: documentarista. Kátia serve de mediadora entre o público e o tema, fazendo o filme oscilar entre o drama íntimo e o ensaio informativo, o que pode diluir parte de sua força narrativa.
Kátia, interpretada com sensibilidade e naturalidade, é uma mulher que sempre viveu bem dentro de suas particularidades. Tinha amigos, um relacionamento amoroso e uma vida profissional estável. O diagnóstico, no entanto, funciona como um ponto de virada: ao compreender o motivo de nunca se sentir completamente encaixada, ela passa a reorganizar sua identidade ao redor do autismo, deixando de lado a mulher que sempre foi, afastando as pessoas ao seu redor, incluindo Fred, cuja paciência e amor se desgastam diante do novo foco absoluto de Kátia.
Doillon conduz essa trajetória com delicadeza técnica. O design de som é um dos elementos mais poderosos do filme: em diversas cenas, os ruídos se intensificam para que o espectador compartilhe o desconforto sensorial de Kátia, enquanto quando são colocados os fones contra ruído, sentimos o alívio junto com ela. A fotografia, por sua vez, mantém a câmera próxima do rosto da protagonista, reforçando a intimidade e a vulnerabilidade de seu ponto de vista.
Contudo, o filme peca por repetir dinâmicas e situações, tornando-se arrastado em sua metade final. As discussões entre Kátia e Fred, que inicialmente revelam nuances emocionais ricas, se tornam circulares, gerando exaustão no público. Ainda assim, há honestidade na forma como Doillon se recusa a apontar vilões ou vítimas: tanto Kátia quanto Fred têm razão em suas dores, e o filme convida o espectador a compreender ambos os lados, ultrapassando a barreira do diagnóstico e os vendo como humanos.

Thibaut Evrard, Jehnny Beth em cena de “Uma Mulher Diferente”- Copyright Memento Distribution
No desfecho, mesmo com um ritmo irregular e algumas repetições, Uma Mulher Diferente se consolida como um importante ponto de partida para a discussão sobre o autismo adulto, sobretudo o feminino, ainda pouco representado no cinema.
Distribuído pela Autoral Filmes e oferecendo ao público um olhar sensível sobre identidade, e aceitação, Uma Mulher Diferente estreia nos cinemas em 16 de outubro.
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