A romântica neve desliza pelo ar, risos e uma face triste. Assim inicia Entre Tempos (Ricordi?), belo filme escrito e dirigido com muita sensibilidade por Valerio Mieli. Utilizando uma linearidade cambiante, closes bem colocados e belas imagens em meio a uma natureza luminosa.
Uma grande parábola sobre passado, presente e futuro, entrelaçados em uma história que se repete e nunca é a mesma. Tudo depende do ponto de vista de quem está contando.
A base do filme é um casal que ganha vida através do talento de Luca Marinelli e Linda Caridi. Ambos conseguem passar através de pequenas expressões e com sutileza os sentimentos pretendidos, principalmente pelos olhos, os quais se apresentam como janelas. Há química entre eles e uma satisfação em acompanhá-los nessa novela. Aquela impressão gostosa de que estamos dentro do filme. Nas cenas alegres, assim nos sentimos e queremos que perdure; e nas angustiantes, ficamos querendo que passe logo. Como na vida.
Mãos que, vagarosamente, vão se juntando, por cima de pelos macios. Cabelos ao vento e aconchegantes mergulhos transcendentais. São lindas cenas que vão compondo o quebra-cabeças e completando um interminável jogo de memória.
O olhar dela é doce, esperançoso, alegre, apaixonantemente complementado por um sorriso encantador. Ele carrega uma tristeza, uma melancolia constante, margeado por olheiras. Um conflito frequente entre otimismo e pessimismo acaba por germinar uma paixão intensa. Paixão vira amor, que vira amizade… não é este o caminho comum? A beleza da mudança ou a tristeza da inevitabilidade, qual você prefere? A jornada do sentimento é vista por ela com leveza, e por ele, com frustração e angústia.
Como em qualquer relação, percebemos como um vai influenciando o outro – negativa e positivamente. Até a maneira como se vestem vai demonstrando como se transformam. Do colorido ao monocromático; do escuro ao claro.
As perspectivas diferentes de cada um vão levando o filme entre os tempos de suas lembranças, que mudam conforme o momento em que estão. Ele parece ser perseguido pelas memórias ruins, os traumas parecem tê-lo marcado de uma outra forma, ou é o foco que busca naturalmente; por outro lado, ela recorda coisas boas, ou as (re) cria dessa maneira.
Da alegria intensa até a frustração, vivemos juntos as agruras e delícias daquele amor na tela grande com uma fotografia linda de Daria D’Antonio, a qual faz toda a diferença na experiência saborosa entregue pelo filme.
Cativando o espectador, Mieli consegue captar a natureza transitória das recordações com uma técnica cinematográfica que utiliza flashbacks e flashforwards, os quais às vezes duram apenas alguns segundos, sem interromper a fluidez da trama. Indo e voltando nos tempos, usando de uma não-linearidade, o longa vai utilizando fragmentos de memórias para construir um belíssimo mosaico de poesia que traz reflexões ao espectador. Qual a palpabilidade de uma lembrança? Como você se lembra, e como realmente foi? Vai depender do seu humor, do seu momento, do seu amor, ou talvez, da sua escolha.
A realidade é maleável. O presente não existe; não se prenda ao passado, não espere muito. A trilha sonora inclui ótimas músicas – de Bach e Tchaikovsky, por exemplo – complementando as frequentes mudanças de humor e a atmosfera do filme. Duas vidas aparentemente ordinárias se transformam em uma bonita viagem filosófica e poética.
O final do longa-metragem começa a se apresentar, deixando um rastro de nostalgia, um gosto agridoce de melancolia, esperança e recordação, enquanto ficamos na torcida de um desfecho feliz. Todavia, você vai escolher como se lembrará da película.
Viva o sonho e, se acabar, acabou. Viva este filme, cinema como a arte poderosa e mágica que pode ser; não um reles entretenimento para que você não pense em nada, mas um instrumento para uma reflexão profunda sobre vida, memória e suas nuances.
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