“Temperos de Frida” cativou meu olhar. Quem me conhece sabe o quanto sou fã da América Latina. Quem me conhece sabe o quanto valorizo muito mais a América Latina do que a Europa, os Estados Unidos, e afins. Lugares tão idolatrados, e que, logicamente, têm muita coisa boa. Aliás, nunca nem estive nos Estados Unidos até a presente data, então não poderia falar muito sobre. Entretanto, algo que me dá orgulho é meu sangue latino.
Sendo assim, por acessar uma unidade latino-americana enquanto conta a história da magnífica Frida Kahlo, essa peça já mereceria ao menos uma chance. Claro, poderia ser clichê e repetir tantas obras que já vimos sobre a artista mexicana. Mas não. Assim como muito me impressionou a peça “Furacão”, da Amok, que une teatro com a música de uma maneira extremamente eficiente e emocionante, “Temperos de Frida” também segue por esse caminho e cria uma mescla hermosa. Importante ressaltar que são espetáculos completamente diferentes. Inclusive, “Furacão” é pautado no Blues e nos Estados Unidos, enquanto “Temperos de Frida” tem inspiração no México, claro, mas também em clássicas canções latino-americanas e lendas mexicanas.
A temporada, a princípio, foi às quartas, dias 02, 09, 16 e 23 de agosto. Contudo, estive na sessão extra da peça, com ingressos esgotados, no último dia 30 de agosto. Pelo sucesso e bom trabalho, já já retornam.
Cucurrucucú Paloma
Ao contar a história de Frida Kahlo de uma forma não tão convencional, a peruana Rosana Reátegui, responsável pela concepção, atuação e dramaturgia entrega um bom espetáculo. No começo, talvez pelo dia cheio que tivera, não estava tão imerso. Tentava a conexão, mas ia me desligando, até que, de repente, a uruguaia Natalia Sarante começou a cantar uma das músicas latinas que mais gosto, a qual conheci no filme “Fale com Ela”, do espanhol Pedro Almodóvar, na voz de Caetano Veloso: “Cucurrucucú Paloma”, de Carlos Americo e Sosa Tomas Mendez.
Foi ao ouvir “Paloma” que finalmente entrei na peça. Dali em diante, foi como se sentasse no bar com Frida, uma cantora uruguaia e o violinista brasileiro Luciano Camara. O trio que domina aquele palco e nos entrega um bonito show. Outras músicas mexicanas, como “La llorona” e “La bruja”, também são entoadas ao vivo, com afinação e beleza.
Em “Temperos de Frida”, acompanhamos, às vezes com alegria, e outras tantas com pesar, os desencontros de Frida em sua dança com a morte, Catrina, a face de um esqueleto.
Lágrimas salgadas
Em um Dia dos Mortos no México, a obra, além de homenagear Frida com muita dignidade e arte, também passa uma mensagem do amor pela vida, que permitiu que a pintora mexicana enfrentasse diversas mazelas.
Rosana Reátegui chama atenção com sua expressividade corporal. A forma como se transforma entre a dona do bar, as lamúrias das tragédias, das tantas tragédias, da vida de Frida ou, em especial, quando incorpora Catrina, é arrepiante.
“Temperos de Frida” é muito mais que uma simples peça de teatro; é uma jornada emocional que nos conecta profundamente com a vida e a história de Frida Kahlo, através da habilidosa interpretação de Rosana e da poderosa trilha sonora.
No final das contas, o velho poeta aqui, jornalista cultural, emocionou-se diversas vezes. E é exatamente isso que busco na arte ou de uma peça como essa. Emoção genuína. “Temperos de Frida” me fez derramar lágrimas tristes e felizes ao mesmo tempo. Lágrimas salgadas que geravam uma ardência nos globos oculares. Era pimenta, era sananga. Lágrimas de quem ama a vida; lágrimas de quem sabe festejar; lágrimas que batem palma para o beija-flor que voou no teatro ao lado de uma pomba e fez um ninho no amor.
Ficha Técnica:
Concepção, atuação e dramaturgia: Rosana Reátegui
Direção: Tatiana Motta Lima
Direção assistente: Rosana Reátegui
Canto: Natalia Sarante
Violonista: Luciano Camara
Figurinista e adereços: Francisco Leite
Cenografia: Renato Marques
Assessoria nas visualidades: Daniele Geammal
Iluminação: Thiago Monte
Preparação de máscara: Marise Nogueira
Confecção de máscara Catrina: Paul Colinó Vargas
Fotografia e designer: Rodrigo Menezes
Direção de produção: Bruno Paiva
Apoio de produção: Serena Sollini
Realização: Qinti Companhia