A cultura negra brasileira vive um momento de expansão que cruza mar, tela, livro e streaming. Quatro movimentos recentes mostram esse avanço com força. A série “Diaspóricas”, criada em Goiás, inicia sua internacionalização em Cabo Verde e entra na 4ª temporada em pós-produção. Na Bahia, o Selo Anjo Negro, ligado à UFRB, lança cinco publicações voltadas às matrizes afro-brasileiras. No digital, o Spotify estreia uma Spotify Sessions que reúne KayBlack e Burna Boy. E, no campo da crítica, as Edições Sesc São Paulo lançam o volume final da coleção “Álbum”, com leitura da música brasileira contemporânea.
Cabo Verde vira cenário de retorno em “Diaspóricas”
Guiada pela temática “Oralituras”, a 4ª temporada de “Diaspóricas” prioriza tradições orais e a voz de mulheres negras. A equipe registrou episódios em Praia, Cidade Velha e Tarrafal, com artistas de expressão local e internacional. Entre os destaques, aparece a cantora Zul Alves, que define sua estética como “tradicional moderna” e cria pontes entre passado, presente e futuro sonoro cabo-verdiano.
A diretora e idealizadora Ana Clara Gomes descreve a ida ao continente-mãe como experiência de retorno. Segundo ela, a travessia busca encontros que reorganizam memória e identidade. Zul Alves reforça esse impacto ao dizer que a série provocou reflexão sobre sua história e reafirmou seu sentido como mulher, artista negra e cabo-verdiana.

A temporada também reúne Fattú Djakité e Kady, com gravações em Lisboa, além da participação da brasileira Nara Couto, que se encontrou com o grupo de batucadeiras Delta Ramatxada, representante do ritmo tradicional batuku. O intercâmbio teve apoio do Centro Cultural Brasil Cabo Verde. Entre 25 de junho e 11 de julho, o projeto realizou exibições e rodas de conversa em Cabo Verde, além de sessões com filmes do coletivo Nhãnha, formado por cineastas e pesquisadoras cabo-verdianas.
A fotógrafa Juliana Cordeiro define a viagem como transformação pessoal e profissional. Ela relata a sensação de reconhecimento e pertencimento ao fotografar mulheres cabo-verdianas, em papéis que atravessam arte, maternidade e vida comunitária.
Criado em 2022, “Diaspóricas” nasceu como série de curtas documentais sobre mulheres negras na música brasileira a partir do Centro-Oeste. As duas primeiras temporadas e a recém-lançada terceira, guiada por “Matriarcas”, estão no YouTube. O projeto também gerou dois longas: “Diaspóricas” (premiado internacionalmente) e “Diaspóricas 2” (em fase de distribuição). Em setembro, veio o Festival Diaspóricas de Música e Cinema Negro, com filmes, feira afroeempreendedora, oficinas e shows.
Livros, streaming e crítica musical ampliam o alcance da cultura negra
Na Bahia, a UFRB lançou o Selo Anjo Negro, plataforma editorial vinculada ao projeto “Organizações da Resistência – Música e Educação”. O selo publicou cinco obras ligadas à cultura baiana e às matrizes afro-brasileiras.

Entre os títulos, estão “Alberto Pitta: FúnFún DúDú” (Danillo Barata), “Nações do Candomblé: Jejé” (Mateus Aleluia), o dossiê “Bembé do Mercado” (com base no registro como Patrimônio Cultural do Brasil), “Ilê Axé Opô Afonjá” (Danillo Barata) e um box com 21 Cadernos de Educação do Ilê Aiyê, já disponível para download aqui. Danillo Barata, curador do Festival e pró-reitor de Extensão e Cultura, posiciona o selo como resposta curatorial e entrega pública aos artistas, mestres e movimentos.
No Spotify, a ponte atlântica ganha outra forma. A nova Spotify Sessions junta KayBlack e Burna Boy em um estúdio intimista, com direção visual de Junior Scoz e produção musical de Fejuca e Nave. O projeto apresenta versões repaginadas de faixas de Burna Boy, como “No Panic” e “TaTaTa”, agora com participação de KayBlack, e canções do brasileiro, como “Cartas na Mesa”, “C’est la vie” e “Eis Me Aqui/Eu Sei Bem”.
KayBlack diz que a colaboração trouxe troca real e acolhimento. Nave e Fejuca destacam a conexão de códigos rítmicos entre Brasil e Nigéria.
Já no campo editorial, as Edições Sesc São Paulo lançaram “Álbum 4 — 1994 a 2025: a desmaterialização da música, o rap no topo, a revolução (tran)sexual, o afrofuturismo”, de Pedro Alexandre Sanches.

O volume fecha a coleção “Álbum” e analisa como CD, MP3, pirataria, YouTube e streaming mudaram a ideia de disco e a experiência de escuta. O livro também organiza eixos como ascensão do rap, estéticas dissidentes e afrofuturismo, enquanto percorre artistas e cenas que redefiniram o mapa sonoro do país. A edição sai apenas em formato digital, com preço de capa acessível.
Serviço
Diaspóricas (série)
Temporadas 1, 2 e 3 disponíveis gratuitamente no YouTube (canal do projeto). 4ª temporada em pós-produção, gravada em Cabo Verde.
Spotify Sessions – KayBlack + Burna Boy
Já disponível em vídeo no Spotify.
Selo Anjo Negro (UFRB) – lançamentos
Cinco publicações ligadas às matrizes afro-brasileiras. Box com 21 Cadernos do Ilê Aiyê já disponível para download (conforme link citado no material). Demais títulos: download “em breve”.
Livro (Edições Sesc São Paulo)
Álbum 4 — 1994 a 2025 (Pedro Alexandre Sanches). 2025. ISBN 978-85-9493-366-9. R$ 15,00. Somente digital.



