O grupo Breddas une três toasters MCs do Rio de janeiro: Alexandre Kdoum, Wellington Fyah e Ras Harold. Eles trazem um reggae que busca ser ferramenta de protesto e reflexão e falaram com o Vivente Andante. Trouxeram opiniões contundentes e citam o panafricanismo e a diáspora negra. Sonham e lutam em dar um tchau para a babilônia no seu conceito consumista, desigual e racista. Um sistema que, segundo eles, funciona a partir da escravidão. A fotografia de capa é de Daniel Lopes. Confira a conversa que viaja por raízes africanas:
Vivente Andante: O que é a Babilônia e qual o espaço dela nos novos tempos?
Breddas: A babilônia é um sistema de desigualdade. Também era uma antiga cidade. A gente fala fogo na babilônia nesse sentido: queimar todo esse sistema desigual. É uma consciência antiga que se espalhou e conquistou todo mundo, uma forma de se manter o controle de maneira desequilibrada e injusta. Para eles se manterem mais fortes têm que proporcionar a desarmonia. Assim a babilônia vai se firmando: um sistema de escravidão, alguém tem que ser escravo pro sistema estar vivo e assim, o sistema vai consumindo a gente.
Vivente Andante: Como dar um “bye bye” para a Babilônia?
Breddas: Para o africano em diáspora um “bye bye” pra babilônia é um retorno pra África. Respeitando a individualidade de cada um. Pensando na letra da nossa música, esse “bye bye” quer dizer que devemos voltar para as nossas raízes e romper com todo o pensamento ocidental que está ligado ao consumismo expandir a mente, esse é o primeiro passo para qualquer tipo de libertação. O futuro é ancestral.
Vivente: Reggae é a raiz africana?
Breddas: Sim. É a música feita pela diáspora africana na Jamaica. O reggae nasce dentro de um contexto de um povo que foi submetido a escravidão, como uma forma de se expressarem, comunicarem sua vivência, espiritualidade e tudo aquilo de África que foi negado. O reggae veio do naiabhingi, o toque do tambor, do coração.
Vivente: O reggae está necessariamente ligado à cultura canábica?
Breddas: Não. A Babilônia criou essa imagem para vender. Mas não está ligado diretamente ao consumo de cannabis. A cultura canábica é ligada a música de um modo geral, vários estilos musicais cantam sobre isso. O reggae não canta só isso, mas se usa muito. O reggae canta os seus valores e a cannabis é um valor: a ganja tem um peso racial e o reggae grita por todas essas desigualdades e injustiças, sendo a voz do oprimido. Na Jamaica o povo preto cultiva ganja, quer problema maior?! Uma planta que veio com os escravizados, por isso veio a proibição. Por isso que a ganja está dentro da discussão toda.
Vivente: Reggae é ferramenta política?
Breddas: Sim. Com certeza, é carregado de muita ideologia e mensagem. Através da música, tivemos contato com Marcus Garvey e as ideias do Panafricanismo, Haile Selassie e várias questões que movimentam o povo preto. É possível ver como o reggae tem uma força política. Por exemplo, os discursos do Bob Marley ou o Fórum de Reggae que acontece em São Paulo que busca por meios burocráticos dar força para o movimento e abrir espaço para quem está produzindo. Essa são algumas das formas. A música é uma ferramenta de mensagem e organização, grita todas por todas as injustiças desde a cannabis ao racismo, é uma ferramenta política. Só da gente estar fazendo o que faz, se relacionar e estar em comunhão com os irmãos já é política.
Vivente: Como vocês percebem o negro no Brasil?
Breddas: O negro é escravizado, acorrentado, não tem liberdade e as oportunidades de ascensão social são diferentes. Essa é a forma que eu me enxergo. Um homem preto com ascensão econômica vai passar as mesmas situações de racismo que um cara da periferia. Os hábitos são racistas e as pessoas reproduzem. Não tivemos tanto progresso, não só no Brasil como no mundo. O africano, em qualquer parte do mundo onde ele esteja, sofre com isso, até na África. É um sistema que é genocida, que persegue, que mata, que escraviza. Essa é a situação do preto no mundo inteiro. Nós, africanos temos que buscar formas de realmente nos libertar, de sair fora de tudo que não é África. Ficamos fazendo parte de um mundo que não nos quer, ficamos tentando ser aceitos, mas seremos sempre subordinados, por isso a necessidade de nos juntar com os nossos e buscar nossas raízes.
Vivente: “Povo brasileiro, lute pelo que é certo”. Qual é o certo?
Breddas: Mas qual é o certo? O certo é entrar no canal do Breddas e ouvir o som novo! (risos) O certo pode ser procurar igualdade dos direitos, respeitar o próximo, olhar para ancestralidade e buscar o futuro nela. Encontrar o certo nas questões mais básicas da na vivência, como estar em comunidade e depositar energia vital no que é certo. Descobrir uma forma de vida que não é essa que estamos vivendo e sim, uma que potencialize a vida. Ubuntu é isso: é uma filosofia africana que potencializa a vitalidade. Para eu ser, você tem que ser também. O preto não vive sozinho.
Vivente: A pandemia vai mudar a mentalidade do povo brasileiro de alguma forma?
Breddas: Sim. A pandemia pode afetar de diversas formas, psicologicamente vários já estão abalados. Aliás, a grande maioria do povo está vivendo como se não nada estivesse acontecendo e, quanto mais pobre for a área, menor o cuidado. É muito preocupante pensar como as pessoas vão ficar, porque as vezes pensamos que a mudança de mentalidade pode ser uma coisa fantasiosa, mágica, mas as coisas podem mudar de uma forma muito dolorosa. Acreditamos que outros lugares vão passar por isso de uma forma muito melhor, ainda mais o Brasil sendo uma colônia.
Vivente: Como está sendo o momento de isolamento para arte de vocês?
Breddas: Apesar das apresentações não estarem rolando, está sendo bastante produtivo. Estamos conseguindo nos concentrar mais nos lançamentos e nas produções, e no gerenciamento das nossas páginas e redes sociais. Estamos mantendo a interação com o púbico através das lives e estamos buscando manter a saúde para quando tudo se “normalizar”. Enfim, estarmos firmes e fortes ara mandar nossa arte na rua. Muitas ideias que vem com o fato de estar mais em casa. Acabamos ficando mais ansiosos e, como consequência, refletimos mais, escrevemos mais e ouvimos mais músicas.
Vivente: Qual a relevância da streetart, do grafite, para as cidades?
Breddas: A street art é feita na rua porque é feita para as pessoas que estão na rua, que estão transitando. É o lugar onde todo mundo está e todo mundo passa, é o maior mural, um grande palco e de uma forma geral manda uma mensagem, se expressa e se comunica onde tem gente a todo instante.
É uma linguagem atual, mas se for parar para ver, no Egito antigo tem muitos murais. Nossos ancestrais deixaram escritos para gente, a gente conheceu a antiguidade assim. Tem uma música do Marcelo Yuka que diz que as “paredes pichadas são escritas do futuro”. O grafite, pichação, malabarismo, surpreendem as pessoas em um lugar que não poderia ter nada, porque a rua também é um sistema de controle, existem coisas que não podem acontecer lá. A arte acaba sendo um manifesto. Uma forma de quebrar alguns padrões impostos pela sociedade e fazer a revolução.
Vivente: O que é o Fyah Bun Dem?
Breddas: Vem de “fire burn then”, que adaptamos para o patuá jamaicano, e no sentido literal quer dizer “queime-os”. E a ideia é queimar todo esse sistema injusto, que escraviza, massacra e mantém o povo no mesmo lugar de submissão e escravidão desde sempre. É fogo na babilônia mesmo.
so um adendo vivendane ,fotografia por Daniel Lopes!!!
Adicionado no parágrafo de introdução, Daniel.
Fyah Breddas!