Já está em cartaz nos cinemas, o novo filme do cineasta Costa-Gavras. “Uma bela vida” fala sobre a dignidade da morte. Pessoas com doenças extremamente graves ou incuráveis devem sofrer para que suas vidas sejam prolongadas ao máximo? O que fazer quando o tratamento faz mais mal que a própria doença? São alguns questionamentos que a obra nos traz.

A história
O filósofo francês Fabrice (Denis Podalydés), preocupado com o resultado de um exame de imagem que realizou nos EUA, resolve refazê-lo apenas duas semanas depois, na França. Ele está preocupado com o diagnóstico e pensa antecipadamente sobre possíveis graves consequências que sua vida pode passar futuramente. No hospital, o Dr. Augustin (Kad Merad) quer conversar com ele, por admirar e gostar de um livro, de sua autoria, sobre a velhice.
O Dr. Augustin é o chefe do departamento de cuidados paliativos do hospital. Segundo ele, o tipo de tratamento menos valorizado no mundo da medicina. Afinal, é um tipo de assistência que não busca especificamente uma cura, mas dar conforto e qualidade de vida para pacientes que sofrem de doenças muito debilitantes e que, cujo tratamento, pode ser tão devastador, ou mais que a própria doença.

O medo da morte
Ao saber sobre o cargo do Dr.. Augustin, Fabrice logo se interessa em conhecer melhor seu trabalho. Embora, ele não deixe totalmente clara para o médico, a sua real motivação. O escritor tem medo de ter que encarar a sua própria morte. A perspectiva de ter que lidar com isso o amedronta. Ele precisa conhecer um pouco mais sobre o assunto. Ele passa, então, a acompanhar o dia a dia do Dr. e de seu pequeno grupo que trabalha com cuidados paliativos.
Temos, assim, uma série de pequenas histórias que vão sendo contadas a partir de diálogos e trocas de experiências e perspectivas entre o médico e o filósofo. Vamos acompanhando cada caso e como cada pessoa reage à possibilidade da proximidade da própria morte, ou de uma pessoa muito próxima. O senso comum de união, amor e respeito pelo próximo são postos à prova o tempo todo na vida de quem vivencia essas experiências. Afinal, o que é dignidade? Deixar morrer ou lutar pela vida?

Perspectivas sobre a morte
O roteiro nos traz uma série de análises de pontos de vista sobre a morte. Do paciente, em si, dos médicos, dos familiares, de uma visão filosófica e até de uma concepção social. O próprio Dr. Augustin passou a ter interesse pelo tema e pela área após passar maus bocados, tendo que lidar com a morte, em seu início de carreira. Afinal, como ele diz, é algo que não é ensinado na faculdade, e um assunto, considerado até tabu.
Muito conhecido por seus filmes de alto teor político e social, o tema desse filme pode, a princípio, parecer estranho dentro da filmografia de Costa-Gavras. Mas eles estão presentes, tanto na forma como as instituições veem, ou não veem, a importância do trabalho dos cuidados paliativos, quanto nas histórias dos pacientes, que mostram uma França diversificada culturalmente e geracionalmente.

Dignidade na morte
O roteiro é baseado no livro “Le Dernier souffle”, escrito pelo médico Claude Grange e pelo jornalista Régis Debray. O título homônimo, em francês, do filme, pode ser traduzido como “o último suspiro”. Esse título traduz de modo mais evidente o tema norteador do roteiro, que relaciona a aceitação da morte com a despedida com dignidade da vida.
Mostra-se como uma pessoa pode se preparar para o seu fim e enfrentar o mesmo com serenidade. Como um ator que sai de cena, em sua última aparição. Costa-Gavras, inclusive, disse que fez esse filme como uma forma dele mesmo entender sua mortalidade e proximidade do fim da vida. Segundo, o diretor, uma morte com dignidade é o que todos merecem.

Dignidade na velhice
Além do roteiro do filme girar em torno dos cuidados paliativos, há, também, uma atenção dada à dignidade na velhice. Algumas das personagens que aparecem como pacientes terminais, são tão bem pessoas idosas. Muitas delas, solitárias e que já vinham vivendo sem muita perspectiva futura. Afinal, a população idosa, ao redor do mundo, está crescendo cada vez mais. Porém, perpetua-se, ainda, na sociedade, uma visão muito pejorativa sobre a função dos idosos na sociedade.
Muitos são deixados de lado, abandonados, ou taxados, injustamente, de improdutivos. Ou são mal vistos, quando querem continuar na ativa. Há, ainda, um preconceito muito grande, na sociedade, com a velhice, como se ela fosse uma doença, e não uma fase natural da vida de todos. Infelizmente, nem todos os idosos têm a oportunidade de continuar trabalhando e criando, tal qual Costa-Gavras, que atualmente está com 92 anos de idade, e que, além de ter lançado esse filme, preside a Cinemateca Francesa, desde 2007. Cargo que ele já havia ocupado entre 1982 e 1987.

A natureza humana
Se a princípio, a premissa de duas pessoas conversando sobre casos de pacientes sob cuidados paliativos, pode parecer simples demais. Qualquer percepção desse aspecto é dissipada logo nos primeiros minutos da primeira conversa entre os dois protagonistas. Enquanto o médico apresenta, sem florear, a realidade de seus pacientes, o filósofo busca analisar e entender a natureza humana que é posta à prova nessas situações, onde questiona-se qual é a verdadeira dignidade?
No entanto, o filme não tem um tom pesado. A sensibilidade da direção de Costa-Gavras é tamanha que o filme nos apresenta de uma forma meio terapêutica-didática-confortadora, um tema tão delicado. “Uma bela vida” não traz uma resposta definitiva sobre o tema, mas nos convida a uma reflexão conjunta, pois esse filme é uma espécie de autorreflexão do mesmo, que compartilha conosco suas percepções sobre o tema. Uma reflexão, até bem humorada, em diversas passagens, o que contribui com a leveza do filme.


Onde assistir
Em suma, o novo filme do lendário cineasta Costa-Gavras está em cartaz nos cinemas, e não deixa a dever em nada em sua extensa filmografia. Uma boa pedida para o cinema, mesmo que o tema da dignidade da morte pareça um tanto delicado.
A distribuição é do Filmes do Estação. Consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis.




