Com uma carreira extensa que percorre entre os universos do samba e também do soul, o cantor e compositor, Wesley Nóog, traz seu sétimo trabalho ao mercado: “O Samba É Da Gente”. O título faz parte de um trecho da canção “Bate Palma Aí”, composta por Rodolfo Caruso e Juarez Amizade, cujo tema percorre pela característica do samba e do sambista, fala dos instrumentos, como eles funcionam e mexem com a alma e o corpo do povo. Cita ainda preconceito, cultura e a miscigenação. A ideia principal do seu novo trabalho é justamente homenagear e exaltar o samba.
“Porque o samba não é puro e simplesmente a questão do entretenimento ou a questão financeira, mercadológica, etc. Tem muito da cultura, um sentimento, é meio espiritual. A gente percebeu que, além dele ser um grande samba, também é um grande defensor da rua. O samba é da gente”, descreve.
O disco conta com dez faixas, sendo três de compositores de São Paulo e sete do Rio. A escolha das músicas, dentre as quais estão: “Não vale”, “Tapete Vermelho” e “Chora Cuíca”, não foi nada fácil. Segundo o cantor, foram recebidas cerca de 100 composições e o garimpo precisou ser feito até o momento em que pôde organizá-las e encaixá-las dentro do seu estilo. A gravação inicial foi feita com voz e violão, depois disso o processo foi enviar ao Paulão Sete Cordas, produtor do disco, para que fossem realizados os arranjos. “Pudemos formar uma tábua de esmeralda, um colar de contas de pérolas, sambas bonitos. Geramos esse material maravilhoso e fantástico”, diz com alegria.
Encontro com Paulão 7 Cordas
Toda a elaboração do disco teve início após o encontro de Wesley com o produtor musical, Paulão Sete Cordas, na Roda de samba Gloriosa. O convite que, a princípio, seria apenas como ouvinte, tornou-se surpreendentemente uma rápida apresentação em que pôde tocar canções como ‘Meu Mundo É Hoje’, de Wilson Batista, e ‘Casa de Irene’, que consta em seu disco.
Wesley Nóog, que já estava impressionado e emocionado com a qualidade musical da roda, ficou ainda mais surpreso quando recebeu uma ligação do seu atual produtor executivo, Ricardo Castelo Branco, contando que Paulão gostaria de produzir o seu novo trabalho após ter gostado do que havia visto.
“Ele é um dos grandes ícones do samba, amigo do Zeca (Pagodinho) desde a infância. Quando recebi a ligação fiquei feliz. São coisas que a gente vem buscando, sonhando e acontecem naturalmente. É fruto da dedicação e do amor à música.”
Cartola e Aretha Franklin estão na cartela de suas referências musicais
O compositor tem referências de nomes nacionais como Cartola, Clementina de Jesus, Beto sem Braço e internacionais como Aretha Franklin, Ray Charles, Al Green. Wesley, que teve os seus primeiros contatos com a música muito jovem nas tardes regadas a feijoadas e macarronadas com a família, acabou criando a sua própria identidade. “Cresci com a parabólica muito ligada no funk soul, rap, mas o samba sempre foi o que causou impressão no sentido de despertar a reflexão sobre a realidade. Me sinto satisfeito e alegre por ter tido essa vivência e bebido nesse caldeirão borbulhante de tantas etnias e informações”, conta entusiasmado.
Tais reflexões e avaliações são apresentadas de forma bem clara em algumas faixas de seu disco, como “Festa na Favela” e “Silêncio”. “O fato do samba ser político, por exemplo, é que ele também tem essa capacidade de falar sobre o que está acontecendo no país, na economia, na política… É como se fosse o jornal poético da periferia, da comunidade, né?”, relata o compositor.
Há quase duas décadas na música, o cantor tem outros trabalhos solos disponíveis nas plataformas digitais, entre eles: “Mameluco Afro Brasileiro” (2008), “Sou Assim” (2013) e Reinício (2017). O novo álbum é uma síntese de tudo o que vem trazendo até aqui. Para ele, o passado uma vez vivido penetra no corpo e domina o sangue, suas heranças estão nos sons do cavaquinho, pandeiro, da cuíca, mas também da bateria, do baixo e do piano.
“A música não tem fronteiras. Às vezes a gente quer botar uma barreira, um paradoxo, bloquear a música de alguma forma mas não tem como. Ela é como água, é fluida e não dá para se prender em determinados dogmas”, conta.
A cena independente no samba
O artista defende a cena independente e relata sobre as dificuldades que acaba encontrando pelo caminho. Sua vontade é mostrar o trabalho de quem não consegue muitas vezes por falta de recursos e resolve trazer à tona esse espaço como pode.
“Não é fácil fazer um disco, é muito caro. É uma correria danada para a gente juntar os parceiros e fazer as coisas acontecerem. Está sendo uma satisfação enorme poder fincar os pés nas minhas raízes, fortalecer a cultura e trazer esses compositores novos.”
Paulistano com coração carioca
Paulistano, o músico possui uma relação de anos com o Rio de Janeiro. Durante a entrevista, trouxe algumas memórias de quando vinha à cidade com os pais para encontros religiosos e ficava encantado com tudo. “Eu dizia: – Não é possível ter uma cidade tão diferente como essa, parecia outro mundo”, relata saudoso.
Após assumir a carreira artística, Wesley Nóog veio outras vezes ao Rio de Janeiro para realizar trabalhos com Seu Jorge e Ed Motta, por exemplo. Em 2017 foi convidado a participar de um projeto relacionado à residência artística e também para gravar o seu disco anterior, desde então diz que se acostumou com a cidade.
Música em tempos de pandemia
Seu show de lançamento havia sido marcado para março deste ano. No entanto, devido às medidas sanitárias que o Brasil está vivendo relacionados à pandemia do novo coronavírus, foi adiado algumas vezes e sua data foi reagendada para o dia 22 de julho, no Teatro Rival. Segundo ele, essa é uma das piores coisas que já viu acontecer na história. “Estamos vivendo um dilúvio chamado Covid-19 temos que permanecer na nossa arca enquanto aguardamos ele passar. Agora é abaixar a cabeça, segurar o coração e aguentar um pouquinho mais”, diz.
Para permanecer com a mente sã, Wesley Nóog recorre à Yoga, com sua esposa, diariamente, busca alento na leitura e investe em gravações de vídeos em suas redes socais, tocando composições próprias e de artistas que o inspiram, com o intuito de levar um pouco de alegria àqueles que os ouve. “O samba é uma espécie de faixa de luz para poder despertar a alegria e amenizar a dor”, descreve o compositor.