Tântrica Santina forjada em sangue a sorte imaculada e um homem traz, em uma atuação visceral, Rita Rocha realizando um monólogo em cima da dramaturgia de Thor Vaz. Alhandra dos Santos, assistente de produção e direção começa lendo uma introdução que convida o público a rodear o centro do palco onde a protagonista atua. É proposto que essa interação seja em sentido horário, enquanto a atriz gira, algumas vezes, no anti-horário. A ideia é de algo ritualístico e permite pontos de vistas diferentes para os espectadores que aceitam a vivência.
Rita começa falando espanhol, que depois vira portunhol e segue em português. O cenário é simples, mas simbólico, um chão cheio de folhas secas e fios que descem do teto. O figurino é um vestido branco, quase santo, enquanto a atriz usa uma lente assustadora e um cordão com crucifixo. O visual busca o profano. A iluminação é mais para avermelhada, contudo, há outras cores, que não se sobressaem muito, como o azul.
Sagrado?
“A madrugada é sagrada”, brada a personagem durante a exibição. A peça critica um “suposto sagrado” todo o tempo, assim como a religiosidade exagerada e a hipocrisia que surge a partir disso, assim como o machismo repressor. Isso ocorre em sua maior parte através de metáforas. Todavia , essa crítica é clara e contundente. O espetáculo exige bastante atenção. Rita Rocha deita, pula, rola, fala, grita, sofre, luta. Salta de um lado para o outro, bate no chão, sua de verdade.
Aliás, o esforço da atriz para trazer veracidade ao papel é louvável e alcança êxito. A preparação feita por Ilona Wirth merece congratulações e a expressividade corporal de Rita lhe permite ficar em posições diversas e difíceis – em certos momentos lembrando até algumas cenas do filme O Exorcista de 1973. É uma viagem por “becos tenebrosos de energia sinistra”, como fala em certo momento. A trilha sonora de Leopoldo Vaz Eustáquio amplia a atmosfera sombria e mantém um clima de suspense barroco.
A protagonista possui uma devassidão rebelde, porém é, acima de tudo, uma mulher em busca da paz e da liberdade. Parece presa dentro do quadrado central e das amarras de uma sociedade injusta, entre sangue, suor e lágrimas. Um texto difícil de digerir, e até mesmo de entender, às vezes, pois há o barulho das folhas que pisamos ao caminhar ao redor da apresentação e a música. A interatividade permite uma inserção maior, pois é quase como se a personagem falasse diretamente com você em várias ocasiões.
Enfim, o espetáculo Tântrica Santina por vezes fornece arrepios; em outras assusta; por muitas, choca. Entretanto, acima de tudo, faz pensar e refletir. É teatro para vivenciar arte de distintas perspectivas, se o convite for aceito.
Sinopse:
Monólogo de uma mulher em tempo e espaço indefinidos, atormentada por seus amores, decepções e dores causadas por amantes cruéis, tentando se livrar de suas tristezas e da culpa pela morte de seu marido.
O espetáculo Tântrica Santina apresenta uma miscelânea de referências, tanto na encenação ritualística, quanto no texto poético e lírico. O clima da obra remete a um barroco sombrio, onde o sacro e o profano são constantemente citados e convivem lado a lado. Nas entrelinhas, são abordadas importantes questões da atualidade, como o machismo, a depressão, a loucura e a religiosidade.
O público é convidado a vivenciar o ritual junto com a atriz e fica livre para assistir ao espetáculo de diferentes perspectivas: sentando ou em movimento, girando no sentido ao redor da atriz. A proposta é tirar as pessoas da sua zona de conforto e proporcioná-las uma vivência energética sensitiva, em que ao encontrar-se com a personagem fora do prumo, cada um questione o seu próprio equilíbrio dentro do mundo.
Ficha Técnica:
Dramaturgia, Encenação e Iluminação: Thor Vaz
Música: Leopoldo Vaz Eustáquio
Figurino e Maquiagem: João Pedro Matos
Fotografia e Vídeo: Joselia Frasão
Cenário: Thor Vaz e Rita Rocha
Preparação de elenco: Ilona Wirth
Assistência de direção: Alhandra dos Santos
Elenco e Produção: Rita Rocha
Apoio: Center Vision, Cia Oceano Teatro Imediato, Espaço Embando e Gráfica Águia
Serviço:
Teatro Rogério Cardoso
Casa de Cultura Laura Alvim, Avenida Vieira Souto 176.
Sextas, sábados e domingos às 19h
Em cartaz até 22 de dezembro de 2019
Classificação: 14 anos
Gênero: Drama
Duração: 47 min
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