Estreia neste dia 20 de julho, “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, filme que apresenta a criação da bomba atômica e o primeiro ataque nuclear da história. Embora, esteja sendo apresentado como um filme biográfico, a meu ver, ele parece ser mais um filme sobre um fato histórico importante do trabalho de Oppenheimer.
Apesar de sermos apresentados a alguns traços da personalidade do físico, eles não chegam a compor um retrato esclarecedor. Pelo contrário, eles parecem nos dar algumas pistas, mas, por vezes, parecem dúbios. O que é compreensível, vide que seu legado é uma arma de destruição em massa. Ou seja, o filme parece tentar mais analisar, do que retratar a vida do pai da bomba atômica.
O pai da bomba atômica
O filme apresenta diferentes linhas narrativas paralelas em épocas diferentes. Mas, em momento algum, a trama fica confusa. A edição de Jennifer Lame amarra tudo de uma forma, que nenhuma ponta fica solta, mas cada uma é amarrada apenas no momento necessário. Arrisco, inclusive, a dizer que há um bom potencial para um prêmio Oscar neste quesito.
A duração de 3 horas, a princípio, pode parecer intimidadora. Porém, nada é colocado ao acaso, ou em excesso. Na verdade, é tudo bastante condensado de forma a não tornar o filme entediante. Afinal, o cinema ainda é relacionado a espetáculo e os espectadores precisam ter interesse na trama. Não é simples transformar cenas de conversas sobre física teórica e quântica serem interessantes e apresentarem uma tensão em quem as assiste. Esse filme consegue fazer isso brilhantemente.
Armas de intimidação
Quando Stanley Kubrick estava escrevendo o roteiro do filme “Dr. Fantástico”, começou a achar toda a situação de uma possível iminente guerra termonuclear tão absurda, que ele resolveu transformá-lo em uma sátira. A bomba atômica é apresentada, aqui, como a arma criada para intimidar. A arma para não ser usada. A arma que pode acabar com o mundo.
Mesmo com a Alemanha derrotada, o Japão resistia ainda na Segunda Guerra Mundial. Sempre foi dito que as bombas atômicas utilizadas contra o Japão tinham o intuito de evitar um número maior de mortes em uma possível invasão ao país. Porém, o filme deixa nas entrelinhas o que se pensa, atualmente, sobre esse episódio: A bomba tinha o propósito político de impressionar os soviéticos e o mundo.
Oppenheimer e suas motivações
Apresentado, inicialmente, como um físico essencialmente teórico e avesso ao trabalho prático no laboratório, as motivações de Oppenheimer mudam quando ele fica sabendo da possibilidade da criação de uma bomba atômica pela Alemanha nazista. Porém, essa motivação passa a ser questionável com a derrota da Alemanha.
A carta que Albert Einstein e Leó Szilárd escreveram ao presidente dos EUA, sobre a importância da construção da bomba atômica, aparece no filme como motivador inicial do envolvimento de Oppenheimer. Porém, o próprio Einstein abandonou o projeto e o físico Niels Bohr se nega a contribuir para a construção da mesma. Se, por um lado, a liderança de Oppenheimer no Projeto Manhattan seguia uma análise bastante rigorosa das implicações e do contexto bélico da construção da bomba. Por outro lado, é possível questionar sua neutralidade ética frente a possibilidade da utilização de uma arma de destruição em massa.
Ambiguidade de Oppenheimer
Oppenheimer parece por vezes ter uma personalidade um pouco contraditória. Se por vezes, ele parece ter uma certa ingenuidade, ao não esconder sua proximidade com ideais de esquerda em um cenário de um crescente sentimento anticomunista. Por outras vezes, ele parece mais decidido, abraçando de vez seu lado mais político e menos cientista, em suas decisões.
Essa ambiguidade fica evidente na forma como ele também, de certa forma ingenuamente, acredita que a iminência de um conflito nuclear entre nações pode ser resolvido se as próprias nações resolverem colaborar entre si. Tal qual a união que o alienígena Klaatu achou que seria possível realizar em “O dia em que a terra parou”.
Cenário atual
Se Oppenheimer achava que a bomba atômica acabaria com as guerras, hoje vemos como sua criação e utilização desencadeou a corrida armamentista da Guerra Fria. Hoje temos um cenário atual de pelo menos nove países que possuem armas nucleares. Sendo alguns signatários do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, e outros não. Porém, quem já tem, não abrirá mão de ter seu arsenal nuclear.
A história da criação da bomba atômica pode ter origem em uma preocupação em conter o poder bélico e mortal da Alemanha nazista, mas seu propósito foi apreendido pelos interesses mesquinhos políticos dos Estados Unidos e espalhado pelo mundo. Nem sempre, as descobertas científicas são utilizadas para o bem estar social.
Poder sobre a vida e a morte
“Eu me tornei a morte, o destruidor de mundos”, a frase é retirada do poema hindu Baghavad Gita (que inspirou Raul Seixas na composição de “Gita”). A bomba atômica trouxe o poder da destruição para um simples aperto de um botão. Não é necessário ver quem se está matando: As milhares de vidas que podem ser extintas por um único botão. Como argumenta o filme, as consequências de um novo ataque atômico, hoje, talvez realmente possam significar o fim do mundo.
Apesar de Nolan tecer diversas críticas ao rumo que os Estados Unidos tomou a partir de seu objetivo de se tornar a grande força hegemônica com os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, a impressão que fica é que elas poderiam ser mais contundentes. Afinal, o filme concentra mais na forma como o próprio Oppenheimer tem sentimentos ambíguos pelas consequências imediatas e futuras sobre sua criação.
Elenco
O elenco tem um peso grande no impacto do filme. Com um destaque especial para a atuação de Robert Downey Jr., sem exceções todos entregam boas performances, apesar de alguns serem, infelizmente, pouco aproveitados, como Emily Blunt. E, em especial, Florence Pugh (que interpreta a psiquiatra Jean Tatlock ), cuja importância para a trama acaba se tornando limitada e poderia ser bem melhor desenvolvida.
O ponto alto é, claro, a atuação de Cillian Murphy. Como dito anteriormente, Oppenheimer é uma pessoa ambígua. Se por um lado, ele mostra preocupação com pessoas próximas e boa vontade em colaborar com causas humanitárias. Por outro lado, ele acaba sendo centrado muito em si mesmo. Como Jean Tatlock diz a ele: “Você não é tão problemático quanto acha”. A interpretação de Cillian Murphy dá conta de todas essas ambiguidades do personagem de forma sutil, a partir de impressionantes nuances em mudanças na interpretação tão naturais, quanto geniais por parte do ator.
Impacto sonoro
O filme possui um impacto visual bastante interessante na fotografia. Mas o grande trunfo do filme, realmente, são a envolvente trilha sonora de Ludwig Göransson e o trabalho do som. Em especial, como o som envolve o espectador na cena do primeiro teste de explosão da bomba. O som aparece como um elemento, não apenas narrativo. Mas, também, como uma forma de reflexão sobre onde se quer e até onde pode-se ir com tamanho poder de destruição.
Em síntese, algo jamais visto antes e que, possivelmente, aumenta seu potencial cada vez mais. Dessa forma, o uso de um som ensurdecedor também simboliza a insensatez humana ao representar pessoas comuns vibrando de emoção com o uso das bombas. Ou seja, o impacto sonoro causa um impacto ético no espectador.
Onde assistir
Em conclusão, o filme estreia neste fim de semana, no dia 20/07. Por fim, consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis.
P.S. Se tiver a oportunidade de ver em uma sala IMAX, não hesite, e aproveite!