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Crítica

A Hora do Boi | Uma crítica densa à relação humana com o mundo

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A Hora do Boi, Vandré Silveira em foto de Lorena Zschaber

Há pouco mais de um mês em cartaz, A Hora do Boi leva o público do Teatro Poeirinha a imergir num universo de crueldade. A relação de poder retratada ultrapassa a abordagem tradicional sobre as classes humanas, o texto tensiona nossas relações com outras espécies de seres vivos.

As cenas são materializadas pela genial versatilidade cênica de Vandré Silveira. O ator se entrega por completo a um jogo de cena denso para dar vida a Seu Francisco, um capataz de matadouro, e ao Chico, boi nascido e criado sob seus cuidados. O laço de amizade desenvolvido pelos dois é ameaçado com o fatídico dia do abate. 

A atmofesta teatral

A plateia ao entrar na sala, antes da sessão iniciar, já se depara com uma cenografia que remete à atmosfera sombria que a história pretende narrar. Carcaças de boi penduradas em correntes sob uma penumbra nos recepciona. O clima intimista provocado pelas dimensões do espaço intensifica a comunhão do público com seu anfitrião.

A Hora do Boi é um espetáculo sobre o afeto. Um afeto que começa na busca artística de Vandré Silveira, um ator inquieto e determinado que, com uma entrega absoluta, irradia boas vibrações para toda a equipe. Vandré mergulha com exemplar intensidade na pesquisa corporal para dar existência ao boi Chico — explica o diretor André Paes Leme — Mas o desafio de Vandré é também no mesmo corpo, e algumas vezes ao mesmo tempo, fazer ser visto na pele de um homem rude, solitário, que só amou uma vez.

Precisão

A precisão técnica e artística eleva a experiência teatral a um nível que atravessa cada pessoa presente com uma espécie de furação de emoções. Do aspecto mais assombroso ao afetuoso, o público é convidado a mergulhar nos dilemas da sociedade moderna. Em momentos pontuais, a quebra da quarta parede nos coloca em comunicação direta com a inefável presença de São Francisco de Assis personificado por Vandré. Nesses momentos somos provocados, amavelmente, a refletir sobre a obra que discorre diante de nosso olhar.

— Precisamos ampliar o entendimento de que todos os seres vivos são igualmente importantes, buscar esse diálogo entre os homens. — reflete Vandré, que foi buscar os escritos e histórias de São Francisco de Assis sobre a natureza dos seres vivos para dar sentido ao espetáculo.

A Hora do Boi assume um tom de crítico a uma pauta incessantemente debatida no que se refere à relação do humano com a natureza. Mas mais do que isso, ela vai fundo no debate sobre a própria existência humana e o propósito de nossa persistência enquanto espécie predadora de si própria. A peça denuncia, mas também nos apresenta uma alternativa possível. O caminho do amor.

SERVIÇO

A Hora do Boi, com Vandré Silveira

Temporada: até 26 de Fevereiro de 2023* | 5af a domingo

*não terão sessões na semana do carnaval – dias 16, 17, 18 e 19/02

Horário: Quintas, sextas e sábados às 21h; Domingos às 19h

Local: Teatro Poeirinha

Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro/RJ

Telefone: (21) 2537-8053

Ingressos: R$ 60,00 (inteira) / R$ 30,00 (meia-entrada)

Vendas na Sympla e na bilheteria

Duração: 60 minutos

Classificação: 14 anos

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Cinema

Crítica | ‘Pedágio’ tem atuações e direção impecáveis

Novo longa de Carolina Maskowicz estreia nos cinemas em 30 de novembro.

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Pedágio.

Pedágio entra em circuito no dia 30 de novembro. Todavia, ele esteve na programação do Festival do Rio e da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Com roteiro e direção de Carolina Markowicz, tem Maeve Jinkins e Kauan Alvarenga nos papéis principais. Também integram o elenco Aline Marta Maia, Isac Graça e Thomás Aquino, que, mais uma vez, faz par com Maeve (como na série Os Outros).

A sinopse é a seguinte: uma mulher trabalha em um pedágio. Mãe solo, ela faz tudo por seu filho, porém, começa a se incomodar com vídeos performáticos que ele faz para a internet. Achando que uma terapia de conversão possa dar um basta ao que o filho faz, ela começa a juntar dinheiro para pagar uma cura gay ministrada por um famoso pastor internacional. Contudo, a forma que ela faz isso é ilegal.

Por enquanto, fique com o trailer do filme:

Brasil retratado

O filme mostra uma realidade muito comum: até onde uma mãe vai para proteger um filho. No caso, o que essa mãe acha que é proteção. Porque, para ela, colocá-lo em uma terapia de conversão é uma forma de proteção. Portanto, retrata também outra realidade mais comum ainda, infelizmente: o imenso preconceito que ainda existe contra pessoas LGBTQIAP+. E as consequências desse preconceito.

A diretora traz esse tema de uma forma muito original e criativa. Além de todo cenário não ser um que costumamos ver em filmes – todavia, afinal, é um cenário bastante brasileiro -, mostra uma mãe que tem um medo muito grande do que pode acontecer com seu filho em um lugar tão cheio de preconceitos, mas que não isola ou rechaça o filho. O longa também mostra a hipocrisia tão comum entre pessoas preconceituosas, que afirmam que ser gay é errado, mas não hesitam em trair seus companheiros sempre que há oportunidade, sendo que, segundo as regras que seguem, trair é tão errado quanto ir para a cama com alguém do mesmo sexo (enfim, a hipocrisia, não é mesmo?).

Revelação

Pedágio é um filme que consegue passar muito bem sua mensagem. E grande parte disso se dá por causa dos atores. Maeve Jinkings já é grande conhecida do público. Além de atuar em novelas, também participou de longas de renome, como O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, e Boi neon, de Gabriel Mascaro. Espera-se que ela se entregue à personagem, pois o público está acostumado com essa característica da atriz. E é o que ela faz. É possível ver como a mãe retrata ama aquele filho, e manda-lo para a dita terapia não vem de um lugar de maldade. Nem todas as outras coisas que faz. Vem de um lugar de cuidado e proteção extremos, já que, como é comum, ela é tudo que ele tem, mãe E pai.

Os atores Kauan Alvarenga e Maeve Jinkings e a diretora Carolina Maskowicz
em debate sobre o filme no Festival do Rio 2023. Imagem: Livia Brazil.

Contudo, Kauan Alvarengua, que dá vida ao filho, é uma grata surpresa, já que é novato nos longas. O jovem ator mostra um equilíbrio perfeito ao interpretar Tiquinho. Ao conversar com o ator, ele se mostrou muito feliz e chocado com a resposta do público ao filme e à sua atuação. Se continuar nesse caminho, Kauan tem muito a mostrar e a nos surpreender. E obviamente que as atuações incríveis são graças, também, à direção certeira de Carolina Markowicz.

Premiações

Pedágio foi exibido nos festivais de Toronto (Canadá) e San Sebastián (Espanha). Além disso, recebeu o prêmio de melhor filme no Festival de Cinema de Roma (Itália). No Festival do Rio, venceu quatro categorias: melhor atriz (Maeve Jinkings), melhor ator (Kauan Alvarenga), melhor atriz coadjuvante (Aline Marta Maia) e melhor direção de arte. O longa também foi um dos pré-selecionados para a edição de 2024 do Oscar, mas Retratos fantasmas, de Kleber Mendonça Filho, acabou sendo o escolhido.

A diretora Carolina Markowicz, e o ator Kauan Alvarenga conversaram um pouco comigo sobre a recepção do filme no Brasil e no exterior. Carolina também comentou sobre a mensagem de Pedágio e como é fazer cinema sendo uma mulher. Está tudo no vídeo abaixo.

Ficha técnica

PEDÁGIO

Brasil | 2023 | 101min.

Direção e Roteiro: Carolina Markowicz

Elenco: Maeve Jinkins, Kauan Alvarenga, Aline Marta Maia, Isac Graça e Thomás Aquino.

Produção: Biônica Filmes.

Distribuição: Paris Filmes.

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