“Alma Negra- Do Quilombo ao Baile” é um filme que pulsa como um coração que nunca para de bater, costurando a trajetória do movimento negro no Brasil com a alma vibrante do soul. A obra, dirigida por Flavio Frederico, vai muito além de uma celebração musical. É um mergulho profundo na história da resistência negra no país, traçando paralelos entre os quilombos do passado e os bailes de soul que marcaram a cena cultural dos anos 70 e 80.
O filme se divide de forma quase capitular, com cada figura emblemática do movimento black ganhando o seu próprio espaço narrativo. Nomes como Dom Salvador, Dom Filó, Wilson das Neves, Tim Maia, Tony Tornado, Zezé Motta e Jorge Ben Jor aparecem com suas contribuições revolucionárias para a música e para a identidade negra no Brasil. No entanto, a presença dessas lendas não aparece de forma superficial; há um respeito tangível pelo que elas representam dentro da história cultural brasileira.
A obra acerta ao fazer um paralelo direto entre os bailes de soul e os quilombos, retratando os espaços de celebração da cultura black como ambientes de resistência, ao mesmo tempo em que o país vivia os anos sombrios da ditadura. O filme abraça a metalinguagem ao incorporar trechos de filmes clássicos que dialogam diretamente com a narrativa, como “Jardim de Guerra” de Neville de Almeida, “Abolição”, de Zózimo Bulbul e “Quilombo” de Cacá Diegues, criando uma sobreposição entre a arte e a luta. O resultado é uma experiência cinematográfica que não apenas narra, mas também provoca reflexões profundas sobre o que é ser negro no Brasil.
Alma Negra, do quilombo ao baile no Renascença Clube
O Renascença Clube, em Andaraí, é uma das locações que enchem a tela com a sua aura histórica. Para quem conhece o clube, o filme resgata memórias e emoções, mostrando como esse espaço desempenhou (e ainda desempenha) um papel vital no fortalecimento da cultura afro-brasileira. Ao retratar o fenômeno Black Rio, “Alma Negra” ilustra de forma impecável a dualidade de uma época em que, ao mesmo tempo que o soul ecoava pelas pistas de dança, a repressão política tentava sufocar as vozes negras que reivindicavam seu lugar.
“Alma Negra- Do Quilombo ao Baile”, porém, peca um pouco em sua duraçãom apesar de ser compreensível que é muita coisa para mostrar. Em certo momento, parece que está prestes a finalizar, mas continua, o que pode cansar alguns. Mesmo com esse detalhe, a obra não perde a sua leveza e mantém o equilíbrio graças à trilha sonora fenomenal, que transforma cada cena em uma celebração da herança cultural negra. A música conduz a narrativa, mas não é o único destaque: “Alma Negra” ensina, questiona e exige uma reflexão mais profunda sobre as contribuições e as lutas da população negra no Brasil.
Aliás, dê o play na nossa conversa com Dom Filó sobre o movimento negro do quilombo ao baile:
Tim Maia, que trouxe o soul para o Brasil após sua temporada nos Estados Unidos, é tratado com o devido respeito como o precursor desse movimento. A sua figura ganha ainda mais peso ao ser contextualizada com o que estava acontecendo nos EUA, como o movimento pelos direitos civis, e o impacto disso aqui no Brasil.
Personagens históricas como Abdias do Nascimento e Beatriz Nascimento são reverenciadas da maneira que merecem, trazendo uma dimensão política e filosófica à narrativa. O filme sabe equilibrar o ritmo da música com a carga política, especialmente ao abordar as intelectuais negras que contribuíram para o fortalecimento da identidade negra no Brasil.
“Alma Negra- Do Quilombo ao Baile” é, ao mesmo tempo, manifesto e homenagem e termina com uma despedida poderosa, que deixa clara a mensagem central: a história do soul no Brasil é, antes de tudo, uma história de resistência, luta e celebração da alma negra. “Alma Negra” é mais que um filme. É um testemunho, uma obra necessária para entender o passado e imaginar o futuro da cultura negra no país.
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