Dirigido por Julie Delpy, Vizinhos Bárbaros se utiliza de um mal-entendido para estruturar uma discussão sobre xenofobia e racismo na Europa, inicialmente de forma satírica e, aos poucos, real demais.
O humor é algo ao mesmo tempo universal e singular para cada sociedade, por conta disso, existem estilos cômicos muito distintos ao redor do mundo. Cineastas franceses contemporâneos, em especial, costumam unir sátira política e social dentro de comédias que, apesar de provocarem riso em certos momentos, servem sobretudo como instrumentos de reflexão, espelhos da relação complexa que a França mantém com o restante da Europa, um continente que enfrenta crises financeiras, políticas, guerras e fluxos migratórios intensos, sendo este último o eixo central de Vizinhos Bárbaros.
Iniciando-se como um conto de fadas, a narrativa se passa em um pequeno vilarejo que se prepara para abrigar refugiados ucranianos. A iniciativa gera entusiasmo, prestígio e até a presença de uma equipe de documentário interessada em registrar o processo, porém, quando o plano muda e, no lugar dos ucranianos, chegam refugiados sírios, a reação da comunidade revela seu xenofobismo latente, colocando à prova relações pessoais e a humanidade de seus moradores.

Cena de “Vizinhos Bárbaros”- Divulgação Oficial
De maneira semelhante à Ele Está de Volta (2015, David Wnendt), a principal arma humorística de Vizinhos Bárbaros é a sátira, se manifestando tanto nas hipocrisias explícitas dos moradores quanto em momentos pontuais de observação social, como quando crianças são questionadas sobre o que é racismo. A partir do microcosmo de Paimpont, o filme constrói um reflexo que se estende por toda a Europa, evidenciando o desejo constante de “parecer moderno” ou “estar alinhado”, mesmo quando isso escancara contradições profundas, como preferir certos refugiados a outros.
Como em todo filme ambientado em vilarejos, os arquétipos dos moradores são o motor da narrativa. No entanto, diferentemente de Saneamento Básico (2007, Jorge Furtado), os personagens aqui permanecem presos a estereótipos rígidos: o político hipócrita, a professora idealista que quer salvar o mundo, o supremacista que rejeita imigrantes, entre outros que embora funcionais para o discurso alegórico, raramente ultrapassam a superfície, tornando-se cascas de potenciais narrativos mais complexos.
Dividido em cinco atos, Vizinhos Bárbaros começa leve e satírico, mas, à medida que os conflitos se intensificam, transforma-se em um espelho direto demais da realidade contemporânea, perdendo o humor antes tão sutil. O humor se dilui e adquire um tom cada vez mais estranho e desconfortável, abandonando a organicidade inicial. O efeito é semelhante à produção de Wnendt, levando a um espelho social muito próximo de nós, o que torna a comédia algo difícil de se destacar.

India Hair e Julie Delpy em “Vizinhos Bárbaros”- Divulgação Oficial
Tecnicamente, Vizinhos Bárbaros é uma produção ágil. O uso frequente de câmera na mão imprime dinamismo à encenação, acompanhado por um ritmo acelerado de cortes, ao mesmo tempo que se utiliza de planos mais estáticos associados à equipe documental presente na diegese, enquanto em questão de roteiro, a produção busca dosar drama, tensão política e, sobretudo, afeto e união, encerrando com uma nota otimista, embora bem menos engraçada do que o filme promete, ou sugere, em seu início.
Ao final, Vizinhos Bárbaros funciona como uma alegoria de um continente mergulhado em conflitos internos constantes. A mensagem é clara: a necessidade de um olhar mais empático para o outro como caminho para uma convivência mais harmoniosa. Contudo, enquanto comédia, o filme se afasta progressivamente da sátira e entra rapidamente no terreno da realidade, o que torna cada vez mais difícil rir das situações apresentadas, e traz um sentimento que nós como audiência, fomos enganados.
Distribuído pela Synapse Distribution, Vizinhos Bárbaros estreia nos cinemas no dia 25 de dezembro.
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