A vilã das nove lembra muito os filmes de Pedro Almodóvar. E não apenas as cores – tudo muito puxado pras cores quentes e fortes que o diretor costuma usar -, mas também o tema: a maternidade possível. Veja que Almodóvar já fala, desde os anos -1980, sobre esse tema tão em pauta na sociedade atual: a maternidade real, vivenciada por mulheres reais, não por mulheres perfeitas idealizadas – pois só a idealização é capaz de transformar uma mulher, ou qualquer pessoa, em perfeita. Pois o longa de Teodoro Popovic retrata a mesma coisa: os defeitos de uma mulher, que, por ser mãe, é obrigada por toda uma sociedade a ser perfeita.
No início de A vilã das nove , conhecemos Roberta, interpretada por Karine Teles, em mais uma atuação bem-feita da atriz. Logo nas primeiras cenas é entregue ao espectador que há algo de estranho com ela, já que uma senhora a interrompe no meio de um passeio com sua filha pré-adolescente, chamando-a de outro nome. Contudo, isso passa e Roberta segue sua vida de mulher comum, uma professora de canto que dá suas aulas e cuida da filha, com eventuais visitas de seu ex-marido.
O espectador pode começar a pensar: “Ué, o diretor colocou aquela cena pra nada?” Mas é claro que não, querido leitor, já que logo nos deparamos, junto com Roberta, com uma história mirabolante contada na novela das nove onde há uma vilã, Eugênia. E, pasmem: é a história pregressa de nossa protagonista, à vista do Brasil inteiro, que a julga como uma péssima mãe já que, como dito anteriormente, Eugênia é escrita como a vilã da trama. Mas será que Roberta se sente assim?
A partir de então, o espectador passa a conhecer partes do mundo da protagonista que nem mesmo sua família e seus amigos próximos não conhecem. E tem a oportunidade de julgá-la. Assim como é feito com as mães e mulheres na sociedade.
Mas calma, leitor homem que já está pensando que não quer ver esse “filme feminista”. Não tem nada a ver com isso. O longa só mostra como uma “verdade” pode ter vários pontos de vista e como nem tudo é o que parece, bem como ouvimos desde pequenos. A vilã das nove é a história de Roberta, que é mãe e mulher, mas poderia acontecer com qualquer um. A produção somente evidencia que não somos seres humanos perfeitos e que estamos passíveis a erros. E que tudo bem. Mostra isso de forma muito bonita e engraçada. E bota engraçado nisso!
Referências novelescas
Algo que o roteiro de Teodoro Popovic, André Pereira, Maíra Bühler e Gabriela Capello faz com maestria é brincar com o universo das novelas. Brincar mesmo, tira sarro legal das minucias que ocorrem nos bastidores das gravações. Além de aproveitar-se do humor para tecer críticas muito merecidas sobre a forma com que esse mercado funciona. A cena em que um ator recorre à Roberta para perder seu sotaque do Ceará, ficando, assim, com um sotaque “neutro” (lê-se sudestino) a pedido da produção da novela é somente um dos mais conhecidos problemas que sabemos existir nesse meio.
Mas, além das críticas, A vilã das nove também traz inúmeras referências e piadas sobre assuntos novelescos que fazem qualquer um, até os menos noveleiros (como eu, por exemplo) darem altas risadas. Teodoro consegue misturar com sutileza acidez, crítica e escracho, tanto nos diálogos quanto na própria cenografia, que é digna de uma novela dos anos 90 – e, claro, de qualquer filme de Almodóvar.
Claro que nada disso seria possível e poderia pender para o caricato se o filme não tivesse um elenco de tirar o chapéu. Além de Karine Teles, Alice Wegmann, Camila Márdila e Laura Pessoa brilham na tela. Alice está tensa e pesada na pele de uma personagem amargurada, que só pensa em vingança (João Emanuel Carneiro, é tu?). Laura surpreende, com tão pouca idade, e interpreta com muita maturidade uma pré-adolescente típica dos filmes da década de 80, muito mais inteligente do que deveria ser na sua idade.
E, por fim, mas nem um pouco menos importante, Camila Márdila arranca risadas em uma personagem totalmente egocêntrica, que mais se importa com sua carreira como atriz do que com seus amigos. Porém, ao mesmo tempo, dá vida à Eugênia da novela, que a exige uma carga emocional muito grande. Ou seja, muita complexidade, como são todas as mulheres, e não personagens unilaterais como geralmente as retratam. Ou seja (mais uma vez), ponto para o roteiro, para a direção e para suas intérpretes.
A vilã das nove esteve presente na programação do Festival do Rio e da Mostra de Cinema de São Paulo, mas neste 31 de outubro entra em cartaz nas salas de cinema de todo o Brasil.