Houve um tempo em que viajar de avião era chique. Champanhe e camarão servidos a um público que desfilava ternos, luvas e chapéus. Inúmeras escalas. Preços extorsivos. As regras eram outras, o fumo era livre e a bebida servida à vontade, que levava a cenas desagradáveis quando os “elegantes” passavam mal ou se socavam nos corredores. Mas tudo, é claro, com muita classe.
Alguns saudosos dessa época ficaram bastante contrariados quando os preços baixaram e democratizaram um pouco as viagens ao exterior. Lamentaram a perda de mais uma oportunidade de reafirmar sua superioridade financeira.
Se as viagens internacionais perderam parte do glamour, as galerias de arte, por sua vez, continuam sendo palco e passarela para muito ego e exibicionismo, muitas vezes associados a um interesse meramente financeiro. Assim, obras de arte são discutidas, analisadas e vendidas por pessoas que têm mais pose do que conhecimento. Mas, não vamos generalizar sobre as galerias de arte. Existem algumas, ainda que poucas, interessadas na arte e nos artistas. Porém, são raríssimas exceções, que só confirmam a regra.
Ponte?
Uma galeria digna do nome deveria ser a ponte para levar o artista ao público e, consequentemente, ao mercado. Mas isso não tem acontecido e a visitação às galerias físicas está caindo no mundo todo. Nessas galerias, muitas vezes, artistas inexpressivos, mas com networking, ganham um espaço que não merecem, para mostrar um talento que não têm. Quando emergentes talentosos conseguem, por outros meios, a duras penas, alguma visibilidade, é que as galerias os “descobrem”. A exploração do artista é mais uma faceta da metástase elitista que garante e preserva a supremacia dos medíocres.
Os artistas iniciantes não têm facilidade de expor. Mas, mesmo os famosos se revoltam porque não sentem que as galerias ajudam na comercialização. Alguns artistas brasileiros simplesmente não expõem aqui. Seus agentes no exterior chegam a vender, antecipadamente, toda a produção do ano seguinte. Para que eles vão querer expor no Brasil? E vai para exportação muito do melhor de nossa arte, reduzida a uma commodity, como o café. Em nossa limitação cultural, o sucesso no exterior ainda é passaporte para o reconhecimento. Assim, se eterniza a síndrome de colônia, uma característica inequívoca de indigência cultural.
Elite, intimidação, galerias vazias
Já o público vê na galeria um ambiente que intimida, porque os atendentes podem manifestar uma indiferença total à presença do visitante. Ou, no extremo oposto, vão analisá-lo da cabeça aos pés, usarão um palavreado antiquadamente hermético e buscarão mostrar que sabem tudo de tudo. De um modo condescendente, talvez entreguem um catálogo escrito num dialeto rebuscado com uma leve semelhança com o português.
O elitismo está presente até nos horários de galerias que abrem no meio da manhã e fecham perto do começo da noite.
O que essas galerias não perceberam é que o mundo mudou. A internet mudou o modo como o público se relaciona com a arte. Na web, está disponível um conteúdo muito rico, sem palavras difíceis e sem mofo. O futuro da divulgação está nas feiras de arte internacionais e nas galerias virtuais, que democratizam o acesso e a informação. Irônico lembrar que algumas das principais feiras de arte exijam um endereço físico como requisito para participação. Mas, isso está mudando. As feiras internacionais e galerias virtuais são uma tendência e serão o caminho. O tempo dirá. Mas, o que hoje já sabemos, com certeza, é onde essas atividades não acontecem: no silêncio das galerias vazias.
*Texto por Marisa Melo, artista, curadora artística e idealizadora de uma galeria de arte itinerante, a UP Time Art Gallery. Seu trabalho foca em reunir artistas do Brasil e de países da Europa para alcançar o seu objetivo como empreendedora de disseminar a arte para todos os públicos.