Golem. Criatura feita de barro, possuidora de força descomunal, que através da magia ganha vida e obedece as ordens de seu criador. Segundo o folclore, o ritual de criação viria sendo executado desde o século 16, seguindo as regras do livro Sefer Yetzirah (“Livro da Criação”). Os cineastas Doron e Yoav escolhem abraçar essa herança folclórica rica de seu país nativo em um longa escrito por Ariel Cohen.
Lituânia, 1673. Em uma época de civilização agrícola, Hanna (Hani Furstenberg, lindamente mística) e Benjamin (Ishai Gilman, correto) rezam por um herdeiro do sexo masculino, após já terem perdido um filho. Ela sofre com a pressão daquela pequena sociedade onde precisa engravidar novamente para ser útil. Em um território vizinho, Gentios lutam contra uma peste e acabam levando uma menina doente – exigindo que seja curada – para aldeia de Hanna. Na iminência de violência, esta mulher decidida que não se submete, quer utilizar a cabala sagrada para proteger sua vila. Recita passagens de um antigo livro ao redor de uma pilha de solo virgem desenhando um corpo e chamas que delineiam a Estrela de David e invoca um Golem (Konstantin Anikienko, assustador). Surge uma criança enlameada no dia seguinte, provando dedicação à segurança de Hanna como um filho faria. Porém, esse ser é um herói ou ela acaba de condenar sua comunidade ao invés de salvá-la?
O rabino da vila tinha escolhido rezar pela cura da menina atacada pela peste, mas Hanna queria agir e usar a magia antiga. O filme funciona bem – até melhor – como um drama sobre como chegar aceitar trágicas perdas e construções sociais do que terror propriamente dito, mas também não decepciona neste quesito. O filme me trouxe outras duas películas para minha memória, A Vila (2004) de M. Night Shyamalan e Cemitério Maldito de 1989.
“A Lenda de Golem” possui uma atmosfera sombria, um suspense contínuo e cria expectativas com sucesso. Há belas imagens também da natureza. É bem dirigido e tem como base o “brincar” de Deus.
Hanna consegue “um novo filho”, um outro Joseph, contudo, deve enfrentar as consequências. Perla (Brynie Furstenberg, firme), a curandeira da cidade, ainda tenta avisá-la dos perigos e até busca enfrentar a criatura.
Os diretores utilizam de entradas furtivas durante a noite e sombras evasivas, realizando uma película com ar mundano e tenso. Doron e Yoav Paz mostram o que torna o gênero de terror tão versátil. Exploram as questões de direitos das mulheres, ao mesmo tempo em que ressuscitam um passado repleto de contaminações de aves assombradas e terror baseado na fé. Um conto trágico vinculado a experiências únicas de Israel.
O desenvolvimento do filme distribuído pela PlayArte é bem interessante: a construção narrativa de ir apresentando o Golem aos poucos, as atitudes imprevisíveis da criatura, as regras sociais da comunidade. O final talvez não seja tão legal, porém não chega a ser ruim. Resumidamente, a produção é eficiente e instigante.