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Crítica | ‘Brás Cubas’ é uma instigante meta dramatúrgica

Wagner Corrêa de Araújo analisa novo espetáculo da Armazém Companhia de Teatro

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Brás Cubas por Wagner Correa

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. (Machado de Assis/Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881). Esta dedicatória do escritor tornou-se um emblemático signo na trajetória ficcional do escritor, em sua passagem do romantismo para a estética realista.

Por intermédio de um dístico transcendente que, por sua mordaz ironia e seu ceticismo provocador, fez de Memórias Póstumas de Brás Cubas uma das obras machadianas mais inspiradoras de multiversões, ao lado de Dom Casmurro e de O Alienista, para os palcos e para as telas.

O que acontece, outra vez e agora, sob o dimensionamento de uma meta linguagem dramatúrgica absolutamente luminosa, por seu caráter de inventiva releitura à luz da contemporaneidade, através da adaptação de Mauricio Arruda Mendonça e do comando concepcional de Paulo de Moraes para a Armazém Companhia de Teatro.

Titulada como Brás Cubas, a peça está reunindo um elenco e uma equipe tecno-artística de primeiro plano o que, afinal, faz desta criação teatral uma das grandes surpresas da atual temporada nos palcos cariocas.

A começar do roteiro dramatúrgico de Mauricio Arruda Mendonça sabendo alinhar o respeito às linhas básicas do original machadiano a um olhar armado na contemporaneidade, o que confere ao espetáculo um funcional enfoque da tradição literária sob um viés de modernidade.

E que transparece mais ainda na plasticidade da arquitetura cenográfica (no dúplice ideário de Paulo de Moraes e Carla Berri) frontalizada por portais altos que remetem ao século XIX e por uma parede/mural com o típico estado de abandono e deterioração de nossos dias, aqui sendo “pichada” por letras e números referentes à temática abordada.

Onde uma vistosa indumentária (Carol Lobato) conecta traços de época com insinuações sutis de figurinos atemporais, tudo sempre ressaltado por efeitos luminares (Maneco Quinderé) ancorados por variações diáfanas conectadas à abordagem metafísica de um espaço/tempo post-mortem.

Trilha

Enquanto acordes de uma trilha incidental alternativa, ao vivo, entre Ricco Viana e Rafael Tavares, torna-a mais ousada em seu processo criativo de atualização ao inserir acordes que passam de românticos temas, ora cantorias ora dançantes, a sonoridades funk/rap.

Possibilitando um envolvente gestual, energizado no entremeio de uma imersiva corporeidade, fruto dos delírios de um Brás Cubas defunto, na conjunta direção de movimentos imprimida por Patrícia Selonk e Paulo Mantuano.

Havendo que se destacar nesta instigante montagem a atuação performática de um elenco acertado, ponta a ponta. Iniciado pela extasiante interpretação simultânea no protagonismo titular de Brás Cubas por Jopa Moraes e Sergio Machado. Preenchendo ambos, via admirável consistência psicofísica e força interior, os meandros confessionais do papel.

Mais o irrepreensível presencial dramático, com teor extensivo da saga machadiana, na espontaneidade cativante das intervenções de outro de seus personagens célebres Quincas Borba (Felipe Bustamante). Além do escritor Machado de Assis redivivo em cena na fiel reprodução verbalizada e física do próprio, por Bruno Lourenço, confundindo ator e personagem.

Brilho autoral

Completando-se o brilho do sexteto atoral, nas notáveis figurações do feminino na vida amorosa de Brás Cubas, através do atrevido sensualismo de uma de suas amantes Marcela (Lorena Lima) e o burlesco bom comportamento casto da outra – Virginia, por Isabel Pacheco.

Com este Brás Cubas, Paulo de Moraes e a Armazém Companhia de Teatro dão mais uma lição de maturidade no entorno de um momento superior da arte teatral. Com sua vibrante gramática cênica e seu inventário dramático, plenos de contraponto critico e sabendo, antes de tudo, como sintonizar o seu enigmático tempo ancestral com o mundo de hoje .

“Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal : porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas : Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”…

Afinal, Brás Cubas está em cartaz no CCBB, Teatro II, de quarta a domingo, às 19h. Até o dia 01 de outubro.

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Notícias Populares | Série sobre jornal de São Paulo estreia no Canal Brasil

A série Notícias Populares estreia essa sexta-feira, 29 de setembro, no Canal Brasil. Ela mostra o dia a dia da redação do famoso jornal.

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Sete pessoas na redação de um jornal segurando um jornal aberto.

Já ouviu falar de Notícias Populares? Pois hoje é dia. Da série, não do jornal. Essa série que é baseada no jornal, já que foi criada pelo jornalista André Barcinski, que de fato trabalhou no Notícias Populares por um ano e meio, e pelo cineasta Marcelo Caetano.

André conta que a ideia de fazer algo baseado no “Notícias Populares” já existe há muito tempo. “Vi no jornal uma escola muito grande de jornalismo cultural.”, diz. “É uma história que me fascina.”

Notícias Populares estreia hoje, dia 29 de setembro, às 22:30. Seu lançamento faz parte dos 25 anos do Canal Brasil, onde a série será exibida. Ao todo, serão sete episódios, lançados toda sexta-feira.

Pra entrar no clima, fique com o trailer:

Notícias Populares – O jornal

O “Notícias Populares”, mais conhecido como NP, foi um jornal de São Paulo. Circulou por quase 38 anos, entre outubro de 1963 e janeiro de 2001. Era conhecido por suas matérias sensacionalistas e escandalosas, que deixavam dúvida se eram verdadeiras ou não. Notícias como “Bebê Diabo” e “Gangue dos palhaços” foram temas do NP. Mas ele também foi precursor e avant-garde em algumas áreas. Foi, por exemplo, o segundo meio de comunicação do Brasil a ter uma coluna LGBTQIAP+. E a tratar pessoas dessa comunidade com respeito. Também havia mais profissionais negros e editoras mulheres do que em outros jornais.

Por ser popular, não era muito bem-visto. Era publicado pelo Grupo Folha, mas sua estrutura estava longe de ser a mesma de outros jornais do grupo. Os computadores, por exemplo, eram todos de segunda-mão. Quase tudo por lá era de segunda mão, aliás. O que a “Folha de São Paulo” não queria mais, enviava para o “Notícias Populares”. Portanto, era um ambiente bem desordenado. Por causa da estrutura, mas também pelo tipo de notícia que cobria. E por sempre receber visitas do público na redação.

É esse ambiente de caos que o espectador poderá ver na série.

Notícias Populares – A série

É início dos anos 90. O “Notícias Populares” está em crise. Vem sofrendo muitas críticas exatamente por seu teor sensacionalista. Para colocar ordem (ou tentar) na loucura que é o NP, chega Paloma. Vinda de Paris, onde trabalhou como correspondente de um dos maiores jornais do Brasil. Seu objetivo – e o que lhe foi prometido – é ficar seis meses no Notícias Populares, organizar a bagunça e ir para a Folha. Mas ela vai ver que não vai ser tão simples assim.

Crédito da imagem: Arthur Costa.

A personagem de Paloma, interpretada por Luciana Paes, não existiu. Ela está ali como uma representação do espectador, jogado aos leões, no meio da desordem que é a redação do NP. Paloma, assim como quem assiste, não sabe como aquele jornal funciona. Ela vem de fora, vem da Europa, não está mais acostumada com o Brasil. Muito menos com o Brasil “de verdade”, o Brasil sem frescura que é o NP. Luciana Paes está no ponto na pele da jornalista. Acostumada a fazer comédia e personagens mais escrachados, que externalizam muito no corpo, a forma como Luciana interpreta o jeito comedido de Paloma faz o espectador sentir junto com ela todo seu incômodo.

Cenografia

Apesar de Paloma não ter existido, grande parte do que se vê na tela é real. Ou foi. Não de forma exata. Até porque a intenção dos criadores não era de documentação, e sim de ficção. Mas muito do que ocorreu no Notícias Populares pode ser visto na série. Como as matérias bizarras. A cada episódio, o espectador se depara com uma das notícias que o jornal realmente publicou. O Bebê-diabo está lá. A Gangue dos Palhaços também. E muitas outras esquisitices.

O que também está lá são vários objetos que existiram na redação. Não o mesmo objeto, mas reproduções. A produção da série teve acesso a um documentário feito dentro da redação do jornal, portanto tiveram muita matéria-prima para reproduzir o cenário tal qual era nos anos 1990. Gravada em dos prédios do jornal Folha de São Paulo, o fato também ajudou a levar o clima do NP para as telas.

Estética e clima

Esse vibe meio trash da série permitiu que produção e elenco abusassem dos exageros. Isso ajuda o espectador que nunca teve contato com o Notícias Populares a entender o que era ler o jornal na época. Chegar na banca de jornal e ler reportagens absurdas. Essa era a intenção do diretor com o tom absurdo e excessivo visto na tela.

Assumidamente com referência de Pedro Almodovar, é possível notar a inspiração nas cores utilizadas tanto em figurinos e cenários, quanto na própria fotografia. Bruna Linzmeyer, que interpreta a personagem Rata, que aparece nos últimos episódios, diz que uma de suas referências foi Andrea Cara Cortada, de Kika, longa do diretor. Ana Flávia Cavalcanti, que dá vida à Greta, colunista social do NP, disse ter aproveitado para atuar um tom mais acima do que está acostumada, o que, segunda ela, foi muito divertido de se fazer.

Crédito da imagem: Arthur Costa.

Aliás, os personagens são um caso à parte e cada um deles poderia virar uma matéria no jornal, de tão interessantes e únicos. Do diretor do jornal ao “foca” (jornalista novato), passando pelos personagens das matérias, todos têm características irreverentes que divertem o espectador. Indo quase para um extremo, um absurdo, meio nonsense, mas conseguindo parar bem no momento que seria demais. Bem no clima do jornal mesmo. Essa é uma das características mais fascinantes da série: valorizar o que se considera ridículo em cada pessoa.

Diversidade

Por falar em personagens, uma curiosidade: para Notícias Populares, houve inscrição online para o elenco. O diretor revelou que acha primordial haver sempre renovação de casting, para não se ter sempre as mesmas pessoas nas produções. “É vital para ter novos rostos surgindo e de locais que não são agenciados. É uma função política até”, afirmou. Por conta disso, o elenco é bastante diverso. E com muitos rostos desconhecidos do grande público e que esbanjam talento.

Outro fato interessante é a troca de atores de seus gêneros audiovisuais mais usuais. Como a já mencionada Luciana Paes, que geralmente faz humor, no papel de uma jornalista muito comedida. Ou Ana Flávia, uma mulher séria e ativista, interpretando uma colunista social escrachada. “Quis fazer a troca de atores para ter um estranhamento. Pegar o sério para fazer o engraçado e o engraçado para fazer o sério”, contou. Foi uma boa escolha porque aumenta ainda mais o impacto do espectador para essa redação tão conturbada.

Crédito da imagem: Arthur Costa.

Enredo

O roteiro é de André Barcinski em parceria com o diretor Marcelo Caetano e, também, Anna Carolina Francisco e Ricardo Grynzpan. Os roteiristas conseguiram deixar a série redonda, sem pontas soltas. E com um equilíbrio perfeito entre comédia, suspense e até um pouco de drama. Há temas que são críticas nem um pouco veladas a alguns assuntos. Mesmo trabalhando com notícias surreais, como um jacaré que come crianças e é apelidado de “jacaré-cocô”, o roteiro consegue tocar em temas de forma leve e divertida, mas que geram análise e discussões. “A discussão crítica se mantém. O politicamente incorreto não deve ser celebrado, e, sim, colocado para discussão.”, afirma Marcelo.

Quanto à pesquisa para a escolha das matérias utilizadas, os roteiristas pesquisaram em mais de mil exemplares do jornal. Além disso, a produção também entrevistou profissionais que trabalharam no NP. Segundo André, há material para fazer ainda mais 5 temporadas. Estamos contando com isso, porque é uma série muito diferente e que deixa o espectador ávido por mais!

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