Dirigido por Santiago Esteinou, A Liberdade de Fierro é uma turnê de saudades
Na cultura alemã, Kaspar Hauser foi uma criança abandonada que apareceu em um vilarejo, após ser mantido em isolamento sua vida toda. Kaspar não apresentava o menor traquejo social, não conhecia os costumes e nem mesmo a língua. Uma história rodeada de tantos mistérios que Werner Herzog até mesmo retratou sua história no filme O Enigma de Kaspar Hauser (1974, Werner Herzog).
Em épocas pós pandemia, na qual o mundo ficou por tanto tempo isolado e debilitado do contato com o outro, a história de Kaspar Hauser vêm à mente, principalmente se considerarmos pessoas que ficaram tanto tempo presas, para em seguida serem libertas, enquanto tantos outros continuam presos de forma física ou psicológica, como é o caso de Cezar Fierro.
Aos 20 anos, Cezar Fierro foi injustamente condenado à prisão, após 40 anos preso, sendo 20 deles em confinamento máximo, ele é solto pelo estado do Texas e deportado para o México. Sem ter um caminho a seguir, Cezar deve se reajustar a um mundo que mudou muito, ainda mais por ter recebido sua liberdade em plena pandemia de Covid 19.
O documentário A Liberdade de Fierro conta a história de Cezar Fierro, um homem recém liberto, que se reencontra com colegas, descobre novos parentes e percebe que perdeu muita coisa de sua vida durante o período de isolamento, como sua mãe e seu irmão.
Por meio de uma estética de cinema verdade, o chamado “Mosca na Sopa”, que inclui a participação do diretor e de sua equipe dentro da produção, acompanhamos as mudanças e dificuldades que Cezar apresenta. Sempre direcionado pelo diretor, Santiago Esteinou, Cezar Fierro tem dificuldades em se entender com a Alexa, medo de falhar por conta de não apresentar nenhuma qualidade/vantagem que permita o seu domínio dentro de alguma área da economia, seu isolamento na medida que muitas pessoas que conhecia, agora estão mortas, e a sensação que a prisão era mais agradável do que este mundo exterior que é tão opressor.

Cezar Fierro em cena de “A Liberdade de Fierro”- Divulgação É Tudo Verdade
O que se inicia como uma produção interessante, fica cansativa dentro de seus 96 minutos, afinal, o filme trata da liberdade física de Fierro, um Kaspar Hauser moderno reencontra conhecidos e tenta se adaptar a novas tecnologias e conceitos de mundo, porém, por quanto tempo podemos assistir esta história, antes de ficar cansativa? Mais de um minuto sobre Cezar conversando com Santiago sobre tomar uma cerveja no dia seguinte, já pode parecer longa demais, porém, a cena se estende por muito mais do que deveria, um fator comum ao longo do filme, que poderia ter sido um pouco mais conciso na hora de sua edição.
Entendemos que Cezar está sozinho e se autosabota por conta de medo de falhar, entendemos que ele fica emocionado ao ouvir uma música e pensar no irmão falecido, porém, nada justifica tanto tempo batendo na mesma tecla, somente cansando o espectador. Podemos explorar tecnicamente que esta é a intenção de Santiago Esteinou: apresentar um ritmo lento para nos aproximar mais deste sentimento de vazio e prisão de Cezar, porém, ao final fica apenas cansativo.
As interações entre Santiago e Cezar, principalmente os momentos em que o diretor ensina Cezar sobre as novas tecnologias do mundo, como a Alexa, ou o modo como funciona a televisão de led, são os pontos altos da produção, porém, são poucos, ao invés disso, a produção dá destaque à dor e à solidão de Cezar.
Apesar do filme terminar com um tom mais alegre, com Santiago e Cezar dormindo sob as estrelas do deserto, ele também deixa um gosto amargo na boca, principalmente com o letreiro final que demonstra os agradecimentos de Cezar aos advogados que o auxiliaram, além de dados sobre a população carcerária do estado do Texas. O sentimento final é de algo agridoce, que não traz paz e sim, em parte, uma preocupação tanto para o futuro de Cezar quanto para este enorme número de presos.
A Liberdade de Fierro atua como um bom estudo de personagem, diferente de outras produções do festival É Tudo Verdade que retrata grandes celebridades como Rita Lee e Marilia Pera, este foca em um homem comum que apresenta uma jornada interessante, porém, cansativa após um certo espaço de tempo.
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