Dirigido por Charlie McDowel, Memórias de um Verão une poesia visual, silêncio e natureza em uma história tocante sobre despedidas e reencontros
Em um cenário extremamente bucólico, três gerações de uma família passam o verão em uma casa à beira de um lago. Enquanto a jovem Sofia sai para explorar a região com sua sábia, delicada e durona avó, seu pai lida com o próprio processo de luto e com o distanciamento em relação à filha. Tudo acontece em um curto período de tempo, retratado de maneira leve, lenta e contemplativa, em um ritmo raro das grandes produções atuais, mas comum em décadas passadas, especialmente no cinema europeu, deixando um sentimento agridoce de finitude. Isso é Memórias de Um Verão.
Com um design de som que intercala silêncio, ruídos da natureza e uma trilha sonora composta por piano e instrumentos de sopro, a produção de McDowel adapta o livro homônimo de Tove Jansson, autora finlandesa que, mesmo tendo falecido em 2001, certamente se sentiria homenageada pelo respeito e carinho evidentes na obra, com um filme que remete diretamente a produções de grandes diretores como Ingmar Bergman, graças à sua narrativa simbólica, potente e lúdica em sua sutil discussão sobre vida e morte.

Glenn Close em cena de “Memórias de Um Verão”- Divulgação Synapse Distribution
Desde o início de Memórias de um Verão, percebemos seu tom contemplativo, seja pelo plano inicial do gelo derretendo na baía, que simboliza o poder das estações, seja pela fotografia interna e profundamente meditativa. Quando os três protagonistas chegam, rapidamente percebemos que a personagem de Glenn Close, com uma forte maquiagem de envelhecimento, provavelmente morrerá antes do fim do filme, causando um certo temor na audiência, porém, assim como a própria personagem, entendemos que a morte é parte natural do processo da vida, assim como as estações e o luto: tudo, no fim, acaba passando.
A jornada de Sofia com o pai é mais intimista. O luto pela morte da mãe surge em pequenas trocas de diálogo e simbolismos discretos, compondo uma dor constante e um atrito entre pai e filha que só é apaziguado pela avó, alguém consciente de que vive seus momentos finais e que, antes do fim, precisa cumprir sua última missão: contar histórias à neta sonhadora e curiosa, viver aventuras ao seu lado e ensiná-la a se tornar a grande mulher que sabe que ela será. Ao mesmo tempo, confrontando sua própria noção de mortalidade ao perceber que seu tempo já passou, e futuramente será somente mais uma estrela no céu.
Nesta jornada entre avó e neta, o grande tour de force de Memórias de Um Verão não poderia ser outro senão Glenn Close. Mais uma vez, a atriz demonstra sua capacidade de transmitir emoção e carinho nos menores gestos. Sua personagem parece ter vivido, em sua juventude, tantas experiências quanto Vovó Puckett, personagem que Close dublou em Deu a Louca na Chapeuzinho (2006, Cory Edwards, Tony Leech, Todd Edwards), mas agora se encontra diante de sua missão final.

Emily Matthews e Glenn Close em cena de “Memórias de Um Verão”- Divulgação
Apesar do belo retrato da relação entre avó e neta, em lindo cenário que é quase um comercial “Conheça a Finlândia”, Memórias de um Verão deixa de aprofundar a dinâmica entre pai e filha, não recebendo o cuidado que poderia, e deixando a sensação de que havia espaço para mais desenvolvimento naquele cenário.
Após uma lenta, contemplativa, e bela produção, Memórias de Um Verão recorre no terceiro ato ao conhecido expediente narrativo de uma força da natureza que magicamente resolve as tensões emocionais acumuladas ao longo da história. É um clichê que funciona, mas poderia ter sido mais bem desenvolvido ou conduzido a um clímax mais impactante, porém, reconheço que talvez essa expectativa venha de um desejo por uma resolução mais norte-americana, enquanto McDowel entrega algo mais amplo, alinhado à tradição europeia e bem mais potente e poético do que muitas grandes produções da atualidade que focam em excessos, enquanto este é extremamente minimalista, e marcante.
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