Miles Davis: Birth Of The Cool é um documentário de 2019, sobre um músico genial, e um ser humano, com defeitos e virtudes. É uma biografia, e na voz de Carl Lumbly, parece que Miles está diretamente contando sua vida para nós. Segundo ele, a vida era uma aventura e um desafio, e não era para ficar parado e seguro. O filme é dinâmico assim como era o jazz de Miles. Os depoimentos de seus amigos, familiares e ex-mulheres ajudam na tentativa de decifrar o músico que acreditava que quem quer criar deve estar disposto a mudar.
Miles Davis mudava, absorvia novos ritmos e louvava a improvisação, seu jazz era vivo e flutuante. O trompete mágico de Miles dá vontade de fechar os olhos, ressoa fundo na alma. Talvez porque fosse a alma inquieta dele que fluía por seu instrumento e criatividade. Enquanto escrevo coloco o álbum que dá título ao documentário. Minha cabeça balança um pouco para lá e para cá, tentando acompanhar o ritmo; as sobrancelhas estão levemente cerradas; às vezes, brota um sorriso no meu rosto. Fecho os olhos com mais força, fazendo uma careta, de concentração e um quase incredulidade pelo poder da música. De Miles Davis.
Budo presente
Um dos artistas mais criativos do século 20, influência para tantos. Uma força descomunal que conheceu o abismo diversas vezes durante a vida. Caiu para as droga em vários momentos na luta contra seus próprios demônios. Morreu e renasceu durante sua jornada. Tocou o fundo do poço mais de uma vez e voltou a escalar. Reinventou-se. Subitamente, lacrimejo, certa vontade de chorar, está tocando “Venus de Milo”, uma escultura musical. Escrevo me imaginando ao piano, tocando ao lado de Miles. Grato pela sua inspiração que me faz transpirar e colocar palavra após palavra na tela do computador. “Budo” vem a seguir e me faz sentir um buda, presente no momento, no aqui, no agora, viajando com sua música e criando a crônica. Gratidão é o sentimento que me toma; suspiro.
Piro e enlouqueço, lembro da entrevista que o músico Pedro Luís me cedeu certa vez, onde disse que a arte era uma droga lícita. A única que precisamos, penso, para não enlouquecer. Não quero me ater a seus rompantes de violência, suas falhas, nem ao fato do documentário focar muito mais em suas virtudes, procurando motivos e razões para suas quedas, afinal, se lembro de algumas passagens e de coisas que fez, quase dá vergonha de estar emocionado escutando. Miles não era doce, era amargo; mas seu som era como chocolate derretendo na boca; como um sol nascendo após uma noite fria. Por fim, “Kind of Blue” começou a tocar automaticamente. Sublime.