O Sequestro de Daniel Rye é de longe uma das visões mais eurocêntricas da crise da Síria, se esforçando para focar toda a dor e sofrimento de uma guerra com mais de 400.000 mortos na dor individual (e familiar) de um cidadão branco, europeu, de classe média, que entrou numa zona de guerra para fotografar o dia a dia daqueles que não fugiram ou não conseguiram fugir da chacina.
Longe de desmerecer o seu sofrimento, mas – e aqui eu adiciono um terrível mas – é necessário contextualizar a posição desse fotógrafo. Afinal, era uma pessoa que não precisava estar na Síria naquele momento. Por mais que Daniel tivesse o direito de ir para onde quisesse, seria melhor ter ouvido a sua família. Era um momento muito crítico de uma guerra e crise humanitária gravíssima.
Centenas de milhares de mortos e o bonito foi tirar férias num campo de guerra. Se O Sequestro de Daniel Rye não fosse uma história real, essa seria uma ideia incrivelmente idiota para um roteiro, de tão imbuída de orgulho próprio e cegueira social. Porém, é impressionante que essa história seja real. Dessa forma, resta apenas confrontar toda a resiliência de um homem que passou pelo inferno e retornou ao conforto do seu país, ao contrário de tantos outros que morreram sem nenhuma chance de pagamento ou redenção.
Mensagem
Curiosamente, O Sequestro de Daniel Rye apresenta uma mensagem que é mais uma reclamação sobre o governo do que uma crítica contra a guerra e ao abuso de direitos humanos no Oriente. Durante todo o longa e no epílogo documental só se vê uma repetida insatisfação com os protocolos internos do ministério dinamarquês de relações exteriores. Em termos de discurso, o filme é mais anti-estado do que antiguerra, ao contrário da mensagem dos terroristas que são bem claros quanto à sua visão de governo, uso de dinheiro público e a legalidade disso tudo.
Ainda assim, o roteiro é irônico quanto a esse posicionamento. Dá à Anita, a irmã mau humorada de Daniel, o mesmo posicionamento político que os terroristas, mas com uma visão humanitária. No fim do filme ela aparentemente tem um arco de redenção/evolução de personagem. Entretanto, esse tipo de coisa é difícil de distinguir num filme semi biográfico. O real e a ficção se mesclam de forma que não se pode levar tudo a sério nem ignorar algo bobo.
Isenta
Além disso, uma voz sensata e realista é dada à um homem de meia idade anônimo durante uma das poucas cenas de protagonismo da outra irmã de Daniel, Christina. O homem questiona a moralidade de se dar uma bolada para terroristas em nome de salvar um jovem compatriota. A resposta de Christina é no mínimo neutra, no máximo isentona, deixando a escolha de ajudar a salvar uma vida e de enriquecer o Estado Islâmico nas mãos de cada um ali presente.
Aliás, novamente é preciso reforçar o quanto essa decisão é pessoal e difícil, mas O Sequestro de Daniel Rye apresenta uma série de momentos em que se tenta ser liberal e humanista, mas que acaba se rendendo a um liberalismo barato junto com ideais pró-ocidentais que ignoram completamente a humanidade das pessoas da Síria assim como a sua dor.
Aliás, veja o trailer:
Apesar de todos os negativos e positivos éticos, o filme não parece se importar com a natureza trágica desse conflito. É bem-feito, contudo, na minha concepção, falta com o respeito às milhares de pessoas mortas e aos milhões que tiveram de fugir dos seus lares e do seu país para tentar sobreviver com um mínimo de decência. Nesse momento é vital entender a história toda antes de contar apenas a parte que mais lhe afeta.
Para entender mais sobre isso indico algumas obras, entre elas o documentário Fuga, que não retrata exatamente a mesma guerra, mas uma com alguns dos mesmos protagonistas e dramas; o episódio 496 do Nerdcast: Uma viajante no Oriente Médio e por fim o mundialmente premiado Para Sama, documentário que mostra 5 anos na vida de uma cineasta que morava em Aleppo, cidade dizimada pela Guerra Civil Síria.
Por fim, o drama biográfico O Sequestro de Daniel Rye (Daniel) proporciona muitas reflexões e chega às plataformas digitais no dia 11 de junho, com distribuição da Califórnia Filmes. O filme estará disponível para compra e aluguel na Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple Tv, Google Play e YouTube Filmes.
Pra falar a verdade fiquei mais interessada na história do James Foley do que na do Daniel, e ficou bem vaga essa parte.
Faz sentido, Cynthia!