Pedaço de Mim (Mon Inséparable), primeiro longa-metragem da diretora Anne Sophie Bailly, acompanha Mona em um momento de reconfiguração pessoal. Após muitos anos dedicada à maternidade, ela se vê diante de uma mudança inesperada pois a namorada de seu filho está grávida. Joël e Océane são pessoas neurodivergentes.
Esse acontecimento altera o cotidiano das famílias e rompe uma relação de longa data entre Mona e Joël, uma dinâmica simbiótica. Essa mudança coloca em movimento um processo de redescoberta. Mona começa a investigar, experimentar e descobrir seu novo momento de vida, com mais espaço para a individualidade. Há desconforto, dúvidas e medos. E há também deslocamentos. O tempo da vida que era regulado por cuidados diários e por uma presença constante começa a abrir espaço para privacidade, autonomia e reinvenção.
O filme se posiciona dentro do campo da neurodiversidade, sem recorrer a discursos patologizantes. Joël e Océane são apresentados como sujeitos singulares, que têm o direito de viver suas escolhas, com apoio quando necessário, mas sem tutela excessiva. A tensão que se estabelece está em torno nas estruturas de controle e expectativas que se tornam incabiveis frente ao desejo de se descobrir.
A relação entre Mona e o filho é apresentada como uma construção que, ao longo do tempo, deixou pouco espaço para a individualidade. O excesso de cuidado, mesmo motivado por afeto, pode se tornar um limite para explorar o mundo com liberdade. O filme trabalha essas contradições sem capacitismo, deixando que as situações falem por si, com atenção às expressões, aos silêncios e as interações cotidianas.
Océane traz outra dimensão ao enredo. De expressões suaves e segura de suas escolhas, ela aparece como um contraponto à inquietação de Mona. Sua presença marca a narrativa sem estridência, afirmando seus desejos. A maneira como o filme a retrata não abre espaço para estereótipos, reconhecendo nela alguém que constrói sua vida com consciência.
Pedaço de Mim foi exibido na Mostra Orizzonti do Festival de Veneza em 2024, onde recebeu três prêmios.
Também integrou a Mostra Expectativa do Festival do Rio, sendo reconhecido por sua abordagem sensível e pela riqueza de sua linguagem cinematográfica. A obra oferece uma observação profunda sobre vínculos familiares, transformações subjetivas e o desafio de integrar o entendimento de que dado o momento os filhos caminham com seus próprios passos.
Texto por Kelly Klayn
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