O que poderia vir a ser uma carta em prol da classe trabalhadora, principalmente aqueles que se encontram às margens dos direitos trabalhistas, se constrói em sua narrativa como uma cartilha anti-MST ou algo próximo a tais reivindicações.
“Propriedade” surge como um thriller que usa como pano de fundo o trauma, superficialmente apresentado no começo da trama, pertencente à personagem principal, Teresa, interpretada por Malu Galli. Personagem essa que, tendo seus olhos como principal foco de sua atuação, se apaga por conta da enorme falta de desenvoltura nos poucos diálogos presentes. Não é para menos, já que sua jornada encontra-se 90% sozinha dentro de um carro tecnológico e à prova de balas.
Mas o que poderia ser uma salvação, levando em conta a grande quantidade de atores coadjuvantes, se torna ainda mais embaraçoso. Não existem diálogos uniformes, a não ser o básico que poderia ser dado a quem, possivelmente, teria menor tempo de tela. O que acaba funcionando mal é justamente essa necessidade de precisar apresentar. A princípio, todos os personagens e suas personalidades, e que logo vão ser abandonados por falta de uma narrativa mais abrangente para essas histórias.
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Personagens entram e saem, alguns demoram a sair e outros ficam, sem incrementar absolutamente nada na estrutura da trama. Todos os personagens ali conseguem expor, de maneira sucinta, o que eles representam e o que trazem: o desespero.
A direção de Daniel Bandeira procura evitar movimentos trêmulos. Enquanto alguns enquadramentos são de uma expansiva claustrofobia, ainda que consiga em seus planos fechados expressar o sentimento de medo e de tensão, ainda assim vão vir a falhar com a conclusão na demora de um desfecho consciente.
As vítimas de “Propriedade” poderiam, tranquilamente, se deixar levar pelo desespero e pela necessidade. Mas o que parecia ser óbvio se torna intolerante com o show de atrocidades, visivelmente endereçados a uma espécie de desejo humano que o roteiro abandona, dando intenção ao telespectador cogitar a ideia clichê de “ações instintivas e de sobrevivência”. Essas ações seriam apenas o resultado de anos de desrespeito e descaso com a vida desse povo, ou seja… clichê.
Fotografia de “Propriedade”
Enquanto a fotografia se balança entre o verde natural e um rosado tom de filtro “instagramável”, a trilha sonora consegue se sobrepor às pendentes nuances que instigam e encaminham a um clímax que, apesar de acontecer, carece de um embate mais frenético banhado da insanidade de respostas físicas.
Por fim, “Propriedade” mira no trauma e na injustiça social, mas falha ao alimentar a expectativa ao invés da “motivação” com mais embasamento, com mais desejo e com a capacidade de reflexão. Falha ao mostrar cenas que serviriam para causar choque, ao invés de por a personagem principal em um labirinto de perguntas e respostas. Conseguimos presenciar momentos de ótimas performances, cenas ativas de ação e ainda a inteligente estratégia de não impor à quem assiste a torcida de algum dos lados, mas que acaba pesando mais a favor de Teresa.
Um dos filmes brasileiros mais destacados no último ano nos círculos de festivais, “Propriedade”, dirigido por Daniel Bandeira (o mesmo responsável por “Amigos de Risco”), chega com exclusividade aos cinemas nesta quinta-feira, 21 de dezembro. O thriller foi realizado com recursos do Funcultura Audiovisual e do Edital de Longas de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura, sendo produzido pela Símio Filmes e Vilarejo Filmes e distribuído pelo projeto Sessão Vitrine Petrobras. As exibições estão confirmadas em diversas cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Aracaju, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, João Pessoa, Maceió, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Luís e Teresina. A classificação indicativa é 16 anos.
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