Dirigido por Gilles Legardinier, Sr. Blake ao seu Dispor joga na narrativa segura para trazer um abraço caloroso ao espectador
A premissa do estranho que chega a um local em decadência ou em situação de perigo e, a partir disso, altera a dinâmica por meio de um grande salvamento, ou simplesmente trazendo alegria, conforto e um novo olhar, é uma das mais recorrentes no cinema. Ela aparece em épicos de ação e aventura, como Dança com Lobos (1990, Kevin Costner), em dramas intensos como Teorema (1968, Pier Paolo Pasolini), e sobretudo em produções mais íntimas e reconfortantes, como A 100 Passos de Um Sonho (2014, Lasse Hallström) e, mais recentemente, Sr. Blake ao seu Dispor.
A narrativa em si é simples. Após a morte da esposa, Andrew Blake, um empresário britânico, perde o ânimo de viver. Em busca de lembranças felizes, decide retornar à França, onde conheceu sua amada. No entanto, sua viagem não sai como planejado e ele acaba assumindo, inesperadamente, o papel de mordomo. Nesse novo contexto, transforma a rotina dos funcionários da casa, oferecendo apoio e alívio que até então lhes faltavam, permitindo que cada um encontre forças para seguir adiante.
John Malkovich e Fanny Ardant em cena de Sr. Blake ao seu Dispor- Divulgação Mares Filmes
Depois de tantos personagens moralmente ambíguos, John Malkovich entrega em Andrew Blake uma de suas criações mais calorosas e plenas. O grande mérito de sua atuação está justamente em oferecer essa presença quase angelical, que guia os demais personagens por seus próprios arcos: a empregada grávida em dúvida sobre o futuro, a dona da casa atolada em problemas financeiros, a cozinheira amante de gatos que redescobre a abertura ao outro e o caseiro teimoso que decide sair da própria caverna metafórica. Esse conjunto de figuras excêntricas é, afinal, a verdadeira força da produção.
Não por acaso, Sr. Blake ao seu Dispor carrega um tom literário marcante. Gilles Legardinier, renomado escritor francês, assina a adaptação de sua própria obra, e essa origem se reflete na estrutura do filme, na medida que o espectador consegue dividir facilmente o livro em capítulos por meio dos núcleos de interação que Blake apresenta com seus colegas. Apesar de levar a um ritmo cansativo, a produção nos entrega momentos de delicadeza, como a cena em que Blake veste uma peruca e batom para ensinar modos a Philippe, ou quando aconselha Marion sobre o bebê que espera.
A produção ganha vida em diálogos espirituosos e momentos memoráveis, em especial para Odile, interpretada por Émilie Dequenne em um de seus últimos papéis. Sua jornada, da reclusão ao reencontro com os outros, é simbolicamente retratada até em pequenos detalhes, e um pouco óbvios demais, como o cabelo preso no início e solto ao final.
A fotografia em tons pastéis e acinzentados reforça o clima melancólico, em contraste com o desfecho natalino, colorido e luminoso, quando os conflitos já encontram resolução. Contudo, esse mesmo tom literário que permeia toda a obra, imprime por consequência um ritmo lento que cansa parte do público, mesmo quando sustentado pelo talento do elenco.
John Malkovich, Émilie Dequenne, Philippe Bas e Eugénie Anselin em cena de Sr. Blake ao seu Dispor- Divulgação Mares Filmes
Ao fim, Sr. Blake ao seu Dispor é um filme agradável, perfeito para uma tarde chuvosa na companhia certa. Cumprindo seu papel de oferecer conforto e calor humano, mas, diante de tantas outras produções que exploram a mesma premissa com mais ousadia, como é o caso de Nanny McPhee: A Babá Encantada (2005, Kirk Jones), ou até mesmo o italiano A Hora do Orvalho (2023, Marco Risi), a produção de Legardinier deixa sensação de que poderia ter sido algo mais marcante, ao invés de uma obra que abraça o espectador com doçura, mas que dificilmente permanecerá além da lembrança de um agradável filme.
Distribuído pela Mares Filmes, Sr. Blake ao seu Dispor estreia nos cinemas em 18 de setembro.
Siga-nos e confira outras dicas em @viventeandante e no nosso canal de whatsapp !
