Cinema
Duas Coroas – Crítica e Poesia
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3 anos atrásem

Segunda-feira, dia 25 de novembro de 2019, dia da pré-estreia do filme Duas Coroas: a história São Maximiliano Kolbe. Não foi a primeira vez em que me deparei com uma situação de fascismo. Nesse dia, a Polícia Militar do Rio de Janeiro fazia uma operação em uma das Comunidades do Complexo da Maré, Rio de Janeiro, Brasil. Caminhava eu nas proximidades, quando fui alcançada, abordada – já não sei ao certo qual verbo alocar-, por uma mulher puxando assunto: “sabe o que tinha que fazer? tinha que fazer aqueles campos de concentração como faziam na Alemanha.” Solicitei que a mulher se afastasse, mas como uma sombra, não sei, continuou falando, então atravessei a rua e segui o meu caminho.
Situação inusitada justamente no dia da pré-estreia do filme Duas Coroas: a história São Maximiliano Kolbe. O Frei nasceu no dia 8 de janeiro de 1894, em Zduńska Wola e morreu, conforme registro, em 14 de agosto de 1941 em Auschwitz. Condenado a morrer por inanição, seu “grupo” foi condenado a pagar a fuga de um detento. Eu não rezo, mas muitas assombrações me aparecem.
O percurso de Kolbe
O filme, que conta com a direção de Michał Kondrat, um produtor voltado para a temática religiosa, narra a trajetória de Raimundo Kolbe, o São Maximiliano Kolbe. Neste trabalho realizado em 2017, podemos verificar a interpolação de documentário e depoimentos variados com performance de atores reinterpretando o percurso de Kolbe, além da exibição de fotografias da época e do próprio diretor narrando os acontecimentos construindo a emenda, como se fosse uma montagem feita para que contemplássemos essa tentativa de formar um todo, o filme, Duas Coroas.
Aconteceu ao pequeno Raimundo, com aproximadamente 10 anos de idade, vivenciar uma experiência mística com a aparição de Maria, algo que atravessou sua jornada na Terra. Interação de integralidade com o Todo, a abrangência do Ser em seus diferentes aspectos existenciais: Maria apontou ao menino duas coroas, dois caminhos – do bem e do mal -, e ele escolheu os dois. Não que ele fosse trilhar o mal, mas teria que com ele conviver em sua trajetória. Tal fato, ocorrido nos primórdios de sua vida, fecha o seu círculo existencial, quando, a certa altura de sua vida, foi feito prisioneiro pelos nazistas, justamente por praticar o bem. Talvez pareça antitético, mas a verdade é que a Natureza funciona com aspectos dissonantes.
Frei Maximiliano
Quando a Polônia foi invadida, acolheu inúmeros perseguidos. Diante da perversidade das provações, o único caminho é o bem, ainda que as consequências possam ser nefastas. Não só acolheu refugiados em seu convento, como se ofereceu para morrer no lugar do sargento Franciszek Gajowniczek, membro da resistência judaica na Polônia, casado e com filhos. O Frei Maximiliano era franciscano e um de seus votos é o voto de pobreza. Trata-se do desapego dos excessos do mundo e o desapego do último do mundo é a própria vida. Ao sair da fila dos detentos e solicitar que o matassem no lugar do sargento, sua coragem poética digamos, venceu o nazismo.
São Maximiliano vinha de uma família patriota que teve atuação na luta que tentava tornar a Polônia independente. Havia a vida religiosa, mas havia essa luta também por libertação, que, na sua visão religiosa, englobava a libertação espiritual. Também era um cultor das Letras e o conhecimento científico era considerado parte dessa libertação. Estudou em Roma, onde conheceu o cinema e vislumbrou uma potencialidade de evangelização. Observo uma autorreferencialidade, estando o Frei agora dentro do cinema, em uma película, capaz de contar seu percurso.
Estudioso
Era um estudioso: calculou e desenhou um protótipo aeroespacial com três estágios. Visionário, pensou em uma estação orbital e argumentou sobre os problemas de saúde ocasionados devido à falta de gravidade. Isso em 1918. 101 anos depois, grupos de pesquisa aeroespacial, como o Minerva Rockets da UFRJ, por exemplo, tem um projeto de observação da célula de sangue em ambiente de pouca gravidade e os riscos à saúde que essa situação pode engendrar, formando trombos. Penso que Cecília Meireles também anteviu um Sounding Rocket e o cantou no poema Motivo, contido em seu primeiro livro Viagem. Muito a propósito, foguetes viajam e Frei Maximiliano era um padre missionário, tendo lançado até no Japão a revista Cavaleiros da Imaculada.
Sua forma de chegar a Deus, ao Todo foi através do culto do feminino, tendo em Maria sua fonte de inspiração. Fundou a Milícia da Imaculada (milícia, hoje nomenclatura bastante delicada de se abordar em nosso contexto social). Com o tempo, sendo um homem das Letras que cultivava o estudo, adveio a ideia de fundar uma revista Cavaleiros da Imaculada. A revista tinha aspecto evangelizador, concernente ao credo espiritual do seu fundador, mas também assuntos de interesse científico.
Professora de Literatura e Crítica Literária Vera Lins
No início, a revista Cavaleiros da Imaculada contou com apoio zero e levou muito empenho e trabalho – e um toque de milagre -, até que se pudesse erigir um convento-editora. A palavra pode ser subversiva. O conhecimento, por ter esse aspecto libertador, também pode ser interpretado como subversivo, principalmente em regimes totalitários. A atividade literária desenvolvida pelos Cavaleiros da Imaculada chamou a atenção dos nazistas quando invadiram a Polônia. Então, além de promover o conhecimento, além de ter uma imprensa, o Frei ainda acolhia refugiados – ele cometia dois crimes, duas coroas.
A Professora de Literatura e Crítica Literária Vera Lins tem um ensaio intitulado “O poema em tempos de barbárie.” começa com um questionamento do também crítico Theodor Adorno: como poetizar um mundo em cacos?” Frei Maximiliano, um homem da escrita, morreu em Auschwitz. O poeta romeno Paul Celan, sobrevivente do holocausto, tendo os pais assassinados pelo totalitarismo nazista, suicidou-se. No entanto, deixou-nos a sua poesia como testemunha de um mundo em ruínas, distante de uma possibilidade ainda de leitura, justamente por estar destituído de sentido:
ILEGIBILIDADE
Ilegibilidade deste
mundo. Tudo duplo.
Roucos,
os relógios fortes
dão razão à hora fendida.
Tu, preso a teu mais profundo,
sais de ti
para sempre.
Podemos dizer ainda que o filme resgata os atos do Frei São Maximiliano Kolbe, demonstrando que o não-dito pode ser lido através dos atos, tão dialogam com nosso espírito e nosso corpo poético. Agradeço ao Vivente Andante o convite. E aqui endosso para que assistam ao longa no cinema mais próximo.
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Paula Albuquerque escreve entre passos e janelas, busca na educação, na arte, na cultura, nas ciências e no pensamento crítico, caminhos de transformação das diferentes realidades do país, assim como busca desenvolver tais habilidades em si, aprendendo sempre que possível. Cursou bacharelado e licenciatura em Letras, Mestrado em Letras - Ciência da Literatura e atualmente lê a bibliografia das disciplinas do Doutorado, na mesma área, em casa por causa do coronavírus.

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas, com Cida Bento e Daniel Munduruku | Assista aqui
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Publicado
8 horas atrásem
24 de março de 2023
Na última quinta-feira (23), fomos convidados para o evento de lançamento do curta-metragem Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku. Aconteceu no Museu da República, no Rio de Janeiro.
Após a exibição um relevante debate ocorreu. Com mediação de Thales Vieira, estiveram presentes Raika Moisés, gestora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira; Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia da UERJ e Carol Canegal, coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude. Ynaê Lopes dos Santos e outros que estavam na plateia também acrescentaram reflexões sobre epistemicídio.
Futura série?
O filme é belo e necessário e mereceria virar uma série. A direção de Fábio Gregório é sensível, cria uma aura de terror, utilizando o cenário, e ao mesmo tempo de força, pelos personagens que se encontram e são iluminados como verdadeiros baluartes de um saber ancestral. Além disso, a direção de fotografia de Yago Nauan favorece a imponência daqueles sábios.
O roteiro de Aline Vieira, com argumento de Thales Vieira, é o fio condutor para os protagonistas brilharem. Cida Bento e Daniel Munduruku, uma mulher negra e um homem indígena, dialogam sobre o não-pertencimento naquele lugar, o prédio da São Francisco, Faculdade de Direito da USP. Um lugar opressor para negros, pobres e indígenas.
Jacinta
As falas de ambos são cheias de sabedoria e realidade, e é tudo verdade. Jacinta Maria de Santana, mulher negra que teve seu corpo embalsamado, exposto como curiosidade científica e usado em trotes estudantis no Largo São Francisco, é um dos exemplos citados. Obra de Amâncio de Carvalho, responsável por colocar o corpo ali e que é nome de rua e de uma sala na USP.
Aliás, esse filme vem de uma nova geração de conteúdo audiovisual voltado para um combate antirracista. É o tipo de trabalho para ser mostrado em escolas, como, por exemplo, o filme Rio, Negro.
Por fim, a parceria entre Alma Preta e o Observatório da Branquitude resultaram em uma obra pontual para o entendimento e a mudança da cultura brasileira.
Em seguida, assista Nenhum saber para trás:
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