Lícia Mayra publicou há pouco tempo seu mais novo livro, Vingança é um prato que se come com Chandon. Segundo livro solo da autora, ele narra, em contos, histórias sobre a liberdade feminina. Nesta entrevista exclusiva, Lícia fala um pouco sobre os conceitos do livro e sua jornada como escritora.
Primeiramente, você poderia se apresentar para quem ainda não leu seu livro? Como você começou na escrita? A literatura sempre foi importante para você?
Lícia Mayra: Eu sou Lícia Mayra, escritora, piauiense, aquariana e servidora pública. Escrevo desde criança. Antes de aprender a ler, eu já inventava histórias, então a escrita foi um caminho muito natural para mim. A literatura sempre foi importante em minha vida, os momentos em que as atribulações da rotina fizeram eu me afastar dela foram os que mais me senti perdida.
E este livro, Vingança é um prato que se come com chandon, de onde surgiu a ideia para escrevê-lo?
LM: Esse livro não foi planejado. Os contos foram escritos entre 2021 e 2023, de forma esparsa, muitos deles através de provocações feitas pelo Coletivo Escreviventes, do qual participo. Em dado momento, percebi que as narrativas transitavam sobre o mesmo universo, que é a sexualidade feminina. Então decidi reuni-las, lapidá-las, e assim nasceu Vingança.
Falando nele, impossível não mencionar esse título tão diferente e interessante. Ele é, também, o título de um dos contos presentes no livro. Como você pensou no título? O livro sempre teve esse nome ou mudou com o tempo?
O título faz uma brincadeira com o ditado popular “Vingança é um prato que se come frio”, justamente porque o tema do conto que deu origem a ele é a vingança da protagonista contra a amiga. Inicialmente, o livro se chamaria “Jogo Possível”, que era o conto que eu mais gostava quando estava organizando o original (não tenho um conto preferido fixo, toda hora mudo de opinião), mas Vingança… é mais chamativo, e foi esse que permaneceu.
Aliás, falando sobre títulos, eles são um grande problema para muitos escritores. Você tem dificuldade para nomear seus livros e contos?
Demais! Não costumo começar pelo título. Quando isso acontece, dificilmente consigo desenvolver a história. Prefiro escrever primeiro e nomear ao final e, mesmo assim, às vezes é um parto. “Anônimo 249”, por exemplo, é um conto que mudou de título mais de uma vez e, se não fossem os prazos editoriais, provavelmente eu estaria mudando até hoje, risos.
O livro, muito além de ser somente sobre sexo e sexualidade, é uma ode à liberdade e as singularidades das mulheres. Como você enxerga a representação das mulheres na literatura atual e o espaço que as escritoras têm no mercado literário brasileiro?
Acho que temos feito conquistas importantes. Vejo que há uma crescente mobilização em prol da leitura de mulheres, embora ainda muito restrito ao público feminino. Não que eu ache que precisemos de validação masculina, porém me revolta saber que nós passamos séculos lendo o que homens escrevem e, quando nossos livros ganham alguma relevância, são nichados como “literatura feminina”, como se não pudéssemos ser, também, universais. Por outro lado, o movimento de mulheres lendo mulheres é revolucionário e fundamental para impulsionar a nossa literatura e, na minha visão, é o que tem feito as mulheres conquistarem seu espaço no mercado editorial brasileiro.
Falando sobre sexo, a gente percebe que, até hoje, a mulher é muito mais vista como símbolo de desejo do que como ser desejante. Quando uma mulher fala sobre sexo ou sexualidade, ela é imediatamente vista como promíscua, no mínimo. O conto “Encontro com o revisor” até fala um pouco sobre isso. Sua vontade de escrever um livro que demonstra esse desejo da mulher vem daí, para quebrar visões pré-concebidas?
Com certeza. As histórias do livro vieram dos meus próprios incômodos com as caixas em que colocam as mulheres. A sexualidade feminina é um tema recorrente na minha escrita porque é onde nos vejo mais estereotipadas, oprimidas, desumanizadas. Tem muito humor no livro, mas a ironia parte de um lugar de revolta. As histórias rompem com as ideias de certo ou errado. Não espero que o leitor ame minhas personagens, elas não foram mesmo escritas para agradar, assim como as mulheres não servem apenas para dar prazer. Elas têm anseios e éticas dúbias, e é isso o que as humaniza.
Qual conselho você daria para as mulheres que ainda não conseguem se libertar das amarras da sociedade em relação ao que se espera delas?
Bate uma siririca e abstrai. A gente não consegue se libertar de todas as amarras, eu mesma às vezes me sinto extremamente sufocada por elas. Por mais livres que sejam nossos espíritos e ideias, vivemos em sociedade e os embates são inevitáveis. Mas a gente pode, pelo menos, travar as nossas batalhas com mais prazer.
Falando em conselhos, qual conselho você daria para um escritor independente, que não sabe por onde começar para ter seus textos lidos?
Abra a boca, anuncie que você é escritor. Esse é o primeiro passo, as pessoas precisam saber que você escreve. Se é difícil fazer isso entre seus amigos e familiares, porque às vezes os textos são muito íntimos (ou, às vezes, porque você escreveu um conto inteiro pra se vingar daquele parente pé no saco), crie um perfil numa rede social, busque pessoas com interesses semelhantes aos seus, converse. Também aconselho a fazer oficinas de escrita, participar de eventos literários, como forma de se conectar com outros escritores e potenciais leitores. Interagir é importante, é assim que se forma público.
E quais autores não tão conhecidos do público você indicaria aos leitores do Vivente Andante?
Nossa, inúmeros! Mas vou me restringir a duas mulheres que me inspiram na escrita e na vida: Carla Guerson, autora de O som do tapa e Fogo de Palha, e Vanessa Teodoro Trajano, autora de Ela não é mulher pra casar e 3 noites com Maria Eugênia.
Quais são suas inspirações para a escrita? O que te inspira a escrever?
O que me inspira são as pessoas. Todo o meu material ficcional está muito bem ancorado na realidade. Gosto de ler pessoas. Observar seus gestos, manias, modos de falar. Escutar suas histórias, experiências, sofrimentos, anseios. Sou distraída, mas gravo muito bem os detalhes que me chamam a atenção. Depois misturo tudo e daí nascem as histórias.
Por fim, uma curiosidade pessoal: a pessoa da capa do livro é você? Aliás, que capa linda!
Muita gente me pergunta isso, haha. Não sou eu. Dedico os parabéns para a Editora Urutau, que cuidou da capa e do projeto gráfico com muito carinho.

Para adquirir o livro Vingança é um prato que se come com Chandon é preciso visitar o site da Editora Uratau. Se quiser ler a resenha que fizemos sobre o livro, é só continuar a leitura desta matéria.
POR FIM, LEIA MAIS:
Lícia Mayra mostra liberdade sexual das mulheres em livro de contos