Conecte-se conosco

Cultura

‘Favela em mim’ é literatura ilustrada por verdade

Publicado

em

Lançado em 2019, o livro “Favela em mim” marca a estreia da editora Oriki. Trata-se de um trabalho editorial inovador. Nas 92 páginas ilustradas por Cau Luis e redigidas por mais 18 artistas, encontramos emoção, surpresas literárias e muito talento. Com bastante fluidez, poemas e desenhos se fundem para mostrar a visão de pessoas periféricas a respeito da infância, da juventude e do cotidiano.

Primeiramente, o trabalho conjunto de texto e ilustração reverte a lógica tradicional. No “Favela em mim”, a ilustração foi o ponto de partida para a contribuição dos poetas. Os desenhos de Cau Luis revelam aspectos da inocência infantil pervertidos por um Estado racista, bem como as contradições e injustiças que os moradores de favelas do Rio de Janeiro enfrentam diariamente.

Cau Luis, autor de “Favela em mim” é nascido e criado na Baixada Fluminense, mais especificamente no município de Duque de Caxias. Como artista autodidata, sua formação é fruto da observação de artistas de rua, além dos manuais de desenhos. “Meu estilo tem muito dessa mistura da técnica aprendida nos livros com o improviso e a performance das ruas. Tanto no uso de materiais e nos formatos. Desenho no papel, em tela, como também em parede e materiais descartáveis como garrafas”, relata.

Favela em mim - capa
Capa do “Favela em mim”. O livro é composto por 31 ilustrações e 30 poemas escritos por Cau Luis, Renan Wangler, Daniel LZ, Daniel Brazil, Karla Raymundo, Maíra dos Santos Oliveira, Taís Espírito Santo, Debora do Nascimento, Jorge Capo, Poeta Rennan Leta, Andrio Candido, Brenda Lima, Cátia Regina,Marcela Gobatti, Dani Ribeiro, Anderson Quack, Andréa Bak, Lourence Alves e W-Black.
Protagonismo negro e favelado

Notavelmente “Favela em mim” consegue ser simultaneamente uma leitura agradável e de conteúdo impactante. As ilustrações foram criadas inicialmente por Cau Luis para o desafio de desenhos InkTober, que acontece todos os meses de outubro nas redes sociais. Já a origem da editora Oriki está no projeto “Literatura de Gaveta” de Debora do Nascimento, Cau Luis e Daniel Brazil. O objetivo da iniciativa é incentivar autores a publicarem seus escritos valorizando a obra de nomes desconhecidos do grande público.

Dentre os temas abordados no “Favela em mim”, o racismo ganha destaque. Afinal, a favela tem cor. A partir da perspectiva da infância, os traços de Cau Luis fazem alusão ao cotidiano violento já vivenciado pelos pequenos: “Uma criança de comunidade aprende muito cedo que sua realidade é diferente de outras crianças mostradas na TV. Que sua cor é associada ao crime, e que pode morrer na tentativa de ser criança. Na infância, algumas das brincadeiras, como soltar bombinhas, quando brincávamos de polícia e ladrão, com revolveres feito de pedaços de madeira, eram reproduções de um cotidiano nada inocente, marcado pela violência do estado contra corpos pretos”, conta o autor.

Vale dizer que as expressões artísticas misturadas no livro “Favela em mim” criaram retratos autorais da favela. O editor Daniel Brazil destaca o protagonismo dos moradores  na produção do livro “O ‘Favela em mim’ não é um livro sobre a favela, mas um livro da favela, feito inteiramente por favelados, das ilustrações aos textos, passando por toda a editoração: edição, revisão, diagramação, projeto gráfico”.

Financiamento coletivo na literatura

A poeta Andréa Bak, integrante do “Slam das Minas”, é autora de uma das poesias publicadas no “Favela em mim”: “A Bala”. Ela escolheu a ilustração de título “Bala Perdida” para inspirar sua participação na obra, porém revela que se relaciona pessoalmente com a temática do livro como um todo: “Todas as ilustrações retratam o cotidiano de uma população que está sendo vítima constante da manutenção do genocídio”, ressalta. Inclusive, a violência se mostra real, pois recentemente Andréa e outros quatro jovens negros foram vítimas de um ataque racista em um bar na zona portuária do Rio de Janeiro.

A saber, uma ferramenta utilizada pela Oriki para viabilizar financeiramente a publicação do “Favela em mim” foi o financiamento coletivo. Foram 45 dias de campanha nas redes sociais para alcançar a meta de pouco mais de 4 mil reais. De acordo com o editor, o engajamento de parentes, amigos e dos próprios autores foi essencial para que o grupo alcançasse o objetivo.

Assim, além de acreditar na ideia, há passos importantes para o sucesso do crowdfunding: “É imprescindível seguir as recomendações da plataforma da campanha. Fazer um orçamento de acordo com a realidade, ou seja, pedir apenas o que realmente for necessário para a realização do projeto, oferecer recompensas atrativas e financeiramente acessíveis para o público que se estima que vá se interessar e colaborar com a iniciativa e, por fim, demonstrar a viabilidade e relevância do projeto”, conta Daniel.

Onde encontrar o “Favela em mim”

O livro “Favela em mim” é uma lição de resistência e uma obra de poesia peculiar. Caso o leitor do Vivente Andante tenha interesse pelo livro, pode adquiri-lo pelo site da editora Oriki, pelo Instagram ou diretamente com as próprias autoras e autores. É interessante acompanhar a editora pelas redes sociais, pois a equipe participa de eventos literários onde também é possível comprar o livro.

Ademais, leia mais:
Penumbra Estética | Roberto Alvim e Goebbels
“Acuerdos y desacuerdos”| La lucha política es mundial y no Chilena
Ana Catão | “Nossa missão é trazer essa história que foi varrida para debaixo do tapete”
 

Crítica

Benjamin, o palhaço negro | Uma homenagem ao primeiro palhaço negro do Brasil

Publicado

em

Parece até piada que notícias como a do racismo sofrido pelo jogador de futebol Vini Jr. ou um aplicativo que simula a escravidão tenham saído enquanto “Benjamin, o palhaço negro” está em cartaz. Infelizmente não é. Assim como não é piada e nunca deveria ser considerada como uma as coisas que um certo “humorista” disse no vídeo que, com razão, foi obrigado a ser retirado do ar. Infelizmente, a luta contra o racismo continua, desde a época em que Benjamin de Oliveira viveu, de 1870 a1954. Cem anos e as atitudes dos racistas continuam iguais! É um absurdo!

Mas sabe o que mudou? O combate. Como fica bem óbvio no texto do musical, agora não se sofre mais calado. Agora há luta. Agora há regras, há leis, os racistas não vão fazer o que querem e ficar por isso. As pessoas pretas vão exigir o seu lugar de direito e o respeito de todos. Já está mais do que na hora, né?

Mas estou me adiantando para o final da peça. Vamos voltar ao começo.

Quem foi Benjamin de Oliveira?

Benjamin de Oliveira foi o primeiro palhaço negro do Brasil, em uma época em que pessoas pretas não eram aceitas ou bem-recebidas no mundo do entretenimento (e no mundo como um todo, sejamos sinceros). Além disso, ele foi o idealizador e criador do primeiro circo-teatro. Mas por que, então, não conhecemos a história dele?

Por que vocês acham?

Como os atores dizem no início do musical idealizado por Isaac Belfort, a história do circo foi embranquecida, assim como todas as histórias que aprendemos. A peça vem, portanto, para contar a história verdadeira e colocar luz em cima de quem deveria, desde sempre, ter ganhado os louros de sua invenção. Em um espetáculo intenso, sensível e moderno, o público aprende sobre quem foi Benjamin e, também, a valorizar os artistas negros atuais e da nossa história. Mostrando, assim, pra quem tinha dúvidas, quanta gente preta de talento existe e sempre existiu. Só falta, como disse Viola Davis, oportunidade.

O espetáculo

No palco, cinco atores. Eles se revezam para interpretar Benjamin, uma sacada ótima. Uma sacada que faz todo mundo querer se colocar no lugar daquele personagem. Uma sacada que faz qualquer um não conseguir não se colocar no lugar daquele personagem. E sentir todas as dores que ele sentiu. Para pessoas brancas, como a jornalista que vos fala, que nunca vão saber o que é sofrer o racismo na pele, é um toque certeiro pra empatia. Mesmo que forçada, aos que até hoje tentam ignorar esse mal da nossa sociedade. É necessário.

Outra sacada ótima foram os toques de modernidade ao longo de todo o roteiro, muito bem escrito. Colocar personagens da época de Benjamin agindo como os jovens tiktokeiros e twitteiros de hoje foi primordial pra facilitar a identificação. Mesmo para quem não conseguiria fazer a paridade entre a época outrora e os tempos atuais, o roteiro faz questão de não deixar dúvidas. E fica impossível não reconhecer algumas das personagens mostradas no palco. O espectador vai, na hora, conseguir lembrar de alguém que já conheceu ou viu passar pela internet. Ou vai pensar em si mesmo. E é aí que mora a chave do sucesso da peça: porque o reconhecimento traz a mudança (ou assim se espera).

Um elenco de se tirar o chapéu

Os cinco atores – Caio Nery, Elis Loureiro, Igor Barros, Isaac Belfort e Sara Chaves – sabem muito bem o que estão fazendo. Dão show em cima do palco. Cantam, atuam e se movimentam de forma emocionante. A cenografia ajuda, claro. Assim como a iluminação. E a coreografia. O espetáculo é apresentado em um espaço pequeno, que ajuda ao espectador se sentir dentro da peça. E a força com que cada elemento está em cena – atuação, música, iluminação, cenário – torna difícil não sentir cada cena como se estivesse acontecendo com si mesmo.

Preciso, porém, destacar dois dos atores: Caio Nery e Sara Chaves. Todos em cena estão visivelmente entregando tudo e fazem um espetáculo lindo de se ver. Mas Caio e Sara sobressaem. Destacam-se por ser possível enxergar a emoção por trás dos personagens, e deixarem a peça ainda mais forte e bonita. São dois jovens atores de 20 e poucos anos que, com certeza, ainda vão longe!

Curtíssima temporada

Se você se interessou em assistir “Benjamin, o palhaço negro”, corre! O espetáculo ficará em cartaz somente até o dia 28 de maio, esse domingo. Como mencionado anteriormente, o espaço é pequeno, portanto os ingressos esgotam rápido. Essa não é a primeira vez que o musical fica em cartaz no Rio de Janeiro. Ano passado teve sessão única em novembro e uma curta estadia em São Paulo. Isso porque é uma peça independente. O que resta ao público, além de assistir às sessões do final de semana, é torcer para conseguirem mais patrocínio para seguirem com essa peça tão importante por mais tempo.

Serviço

Benjamin, o palhaço negro

Onde: Espaço Tápias (Av. Armando Lombardi, 175 – 2º andar – Barra da Tijuca).

Quando: 27 e 28 de maio (sábado e domingo), às 20h.

Idealização e produção: Isaac Belfort

Direção geral e músicas: Tauã Delmiro

Direção musical e músicas: Peterson Ferreira

Coreografia: Marcelo Vittória

Design de luz: JP Meirelles

Design de som: Breno Lobo

Direção residente: Manu Hashimoto

Direção de produção: Sami Fellipe

Coprodução: Produtora Alada

Realização: Belfort Produções e Teçá – Arte e Cultura

Crédito da foto: Paulo Henrique Aragon

Por fim, leia mais:

Crítica | Los Hermanos: Musical pré-fabricado

Tick Tick… Boom! | Uma homenagem ao teatro musical

‘Cinderela” estreia no Teatro Miguel Falabella com trilha sonora diferenciada

Continue lendo
Anúncio
Anúncio

Cultura

Crítica

Séries

Literatura

Música

Anúncio

Tendências