Lançado em 2019, o livro “Favela em mim” marca a estreia da editora Oriki. Trata-se de um trabalho editorial inovador. Nas 92 páginas ilustradas por Cau Luis e redigidas por mais 18 artistas, encontramos emoção, surpresas literárias e muito talento. Com bastante fluidez, poemas e desenhos se fundem para mostrar a visão de pessoas periféricas a respeito da infância, da juventude e do cotidiano.
Primeiramente, o trabalho conjunto de texto e ilustração reverte a lógica tradicional. No “Favela em mim”, a ilustração foi o ponto de partida para a contribuição dos poetas. Os desenhos de Cau Luis revelam aspectos da inocência infantil pervertidos por um Estado racista, bem como as contradições e injustiças que os moradores de favelas do Rio de Janeiro enfrentam diariamente.
Cau Luis, autor de “Favela em mim” é nascido e criado na Baixada Fluminense, mais especificamente no município de Duque de Caxias. Como artista autodidata, sua formação é fruto da observação de artistas de rua, além dos manuais de desenhos. “Meu estilo tem muito dessa mistura da técnica aprendida nos livros com o improviso e a performance das ruas. Tanto no uso de materiais e nos formatos. Desenho no papel, em tela, como também em parede e materiais descartáveis como garrafas”, relata.
Protagonismo negro e favelado
Notavelmente “Favela em mim” consegue ser simultaneamente uma leitura agradável e de conteúdo impactante. As ilustrações foram criadas inicialmente por Cau Luis para o desafio de desenhos InkTober, que acontece todos os meses de outubro nas redes sociais. Já a origem da editora Oriki está no projeto “Literatura de Gaveta” de Debora do Nascimento, Cau Luis e Daniel Brazil. O objetivo da iniciativa é incentivar autores a publicarem seus escritos valorizando a obra de nomes desconhecidos do grande público.
Dentre os temas abordados no “Favela em mim”, o racismo ganha destaque. Afinal, a favela tem cor. A partir da perspectiva da infância, os traços de Cau Luis fazem alusão ao cotidiano violento já vivenciado pelos pequenos: “Uma criança de comunidade aprende muito cedo que sua realidade é diferente de outras crianças mostradas na TV. Que sua cor é associada ao crime, e que pode morrer na tentativa de ser criança. Na infância, algumas das brincadeiras, como soltar bombinhas, quando brincávamos de polícia e ladrão, com revolveres feito de pedaços de madeira, eram reproduções de um cotidiano nada inocente, marcado pela violência do estado contra corpos pretos”, conta o autor.
Vale dizer que as expressões artísticas misturadas no livro “Favela em mim” criaram retratos autorais da favela. O editor Daniel Brazil destaca o protagonismo dos moradores na produção do livro “O ‘Favela em mim’ não é um livro sobre a favela, mas um livro da favela, feito inteiramente por favelados, das ilustrações aos textos, passando por toda a editoração: edição, revisão, diagramação, projeto gráfico”.
Financiamento coletivo na literatura
A poeta Andréa Bak, integrante do “Slam das Minas”, é autora de uma das poesias publicadas no “Favela em mim”: “A Bala”. Ela escolheu a ilustração de título “Bala Perdida” para inspirar sua participação na obra, porém revela que se relaciona pessoalmente com a temática do livro como um todo: “Todas as ilustrações retratam o cotidiano de uma população que está sendo vítima constante da manutenção do genocídio”, ressalta. Inclusive, a violência se mostra real, pois recentemente Andréa e outros quatro jovens negros foram vítimas de um ataque racista em um bar na zona portuária do Rio de Janeiro.
A saber, uma ferramenta utilizada pela Oriki para viabilizar financeiramente a publicação do “Favela em mim” foi o financiamento coletivo. Foram 45 dias de campanha nas redes sociais para alcançar a meta de pouco mais de 4 mil reais. De acordo com o editor, o engajamento de parentes, amigos e dos próprios autores foi essencial para que o grupo alcançasse o objetivo.
Assim, além de acreditar na ideia, há passos importantes para o sucesso do crowdfunding: “É imprescindível seguir as recomendações da plataforma da campanha. Fazer um orçamento de acordo com a realidade, ou seja, pedir apenas o que realmente for necessário para a realização do projeto, oferecer recompensas atrativas e financeiramente acessíveis para o público que se estima que vá se interessar e colaborar com a iniciativa e, por fim, demonstrar a viabilidade e relevância do projeto”, conta Daniel.
Onde encontrar o “Favela em mim”
O livro “Favela em mim” é uma lição de resistência e uma obra de poesia peculiar. Caso o leitor do Vivente Andante tenha interesse pelo livro, pode adquiri-lo pelo site da editora Oriki, pelo Instagram ou diretamente com as próprias autoras e autores. É interessante acompanhar a editora pelas redes sociais, pois a equipe participa de eventos literários onde também é possível comprar o livro.