Literatura
Penumbra Estética | Roberto Alvim e Goebbels
Publicado
4 anos atrásem
Por
Pedro Pessanha
Como todos viram, recentemente Roberto Alvim, secretário de cultura do atual governo do Brasil anunciou, em um vídeo, o “Prêmio Nacional das Artes” com trechos retirados diretamente de falas de Joseph Goebbels. Esse foi provavelmente o vídeo mais assustador do atual governo, que tem como hobby produzir vídeos assustadores. Mas por que esse vídeo é o mais assustador dentre tantos nesse show de horrores? Bom, primeiramente vamos tentar entender o que era arte para o Nacional Socialismo, mais conhecido como Nazismo.
Em 1989 o cineasta sueco Peter Cohen lançou o documentário “Arquitetura da Destruição” (assista completo no fim do texto). No documentário, Cohen defende a tese de que o Nacional Socialismo é fortemente baseado em valores estéticos junto a analogias médicas sobre doenças. O filme demonstra a importância da arte e da estética para a ascensão do Nazifascismo na Alemanha da década de 1930. Boa parte dos integrantes do Partido Nacional Socialista eram artistas frustrados, que apesar de produzirem e apreciarem arte, não tiveram reconhecimento da sociedade.
Conseguimos com facilidade observar a estética nazista em vários pequenos detalhes que juntos constroem o quadro geral. Os uniformes eram cuidadosamente desenhados para impor medo e elegância. A bandeira foi idealizada pessoalmente por Adolf Hitler, que era pintor, nada ali é por acaso, a paleta de cores foi base da estética nazista, o vermelho, preto e branco estava presente em tudo, e além da suástica estava presente também a Águia, referência estética do classicismo. Os discursos do Führer eram elaborados, verdadeiras encenações milimetricamente planejadas, os desfiles eram coreografados e seguiam um rígido padrão estético.
“Cultura que não destrua, mas que salve a nossa juventude”?
Não é à toa que o principal nome do Nacional Socialismo, depois de Hitler obviamente, foi Joseph Goebbels. O ministro da Propaganda – que diga-se de passagem era também poeta e doutor em filosofia- era o escolhido pelo Führer para ocupar o cargo de Chanceler em caso de sua morte. O ministério da Propaganda controlava a imprensa, as artes plásticas, cinema, literatura, e todo o setor cultural, não apenas de produção, mas de reprodução também. Como em outros regimes fascistas, a propaganda tinha como objetivo definir a “boa cultura do interesse do povo” e difundir os ideais do Estado. A Pátria, Deus, e a “Verdadeira História de Heróis” eram temas recorrentes na dita “boa arte”, ao passo que a arte moderna era considerada depravada, destituída de valor estético e destruidora de valores da verdadeira população alemã.
Voltando à 2020 e ao nosso querido Brasil, Alvim, em seu vídeo embalado ao som do compositor alemão Richard Wagner, ressalta o pedido de seu presidente para que ele “faça uma cultura que não destrua, mas que salve a nossa juventude”. Logo
depois ele declara “A cultura é a base da Pátria. Quando a cultura adoece, o povo adoece junto”. Bom, já podemos nessas poucas palavras perceber algumas questões: primeiramente a demonização da arte contemporânea como destruidora de jovens, e o que considero extremamente perigoso, a analogia da estética doente, aquela que Peter Cohen identificou no discurso nazifascista. A arte doente, que destrói o jovem e adoece o povo. Daí já poderíamos entender o porquê dessa declaração ser possivelmente a mais assustadora do atual governo, apesar de não ser a mais danosa em termos práticos. Mas o maior problema é que a questão piora.
Roberto Alvim e Goebbels
Roberto Alvim não caiu de paraquedas citando Goebbels ao som de Wagner. Alvim foi um premiado dramaturgo. Tem formação em uma das melhores escolas de teatro do país, encenou montagens premiadas, lecionou e fundou uma companhia de teatro com muitas montagens e a maioria muito elogiadas, tudo isso antes de conseguir curar-se de um câncer e converter-se ao cristianismo de forma radical, virando discípulo do guru reacionário Olavo de Carvalho. Independentemente de seu caráter, se tem uma coisa que Alvim sabe fazer é montar uma encenação.
Se pararmos para analisar esteticamente o vídeo podemos observar uma encenação muito bem-feita. No enquadramento vemos a bandeira do Brasil na frente dos livros à esquerda, uma cruz à direita, e centralizado Alvim, de terno, cabelos penteados à moda dos anos 1940 e acima dele perfeitamente enquadrado a fotografia de seu estimado presidente e líder, novamente com a bandeira brasileira. Sua fala é pausada, porém firme, os intervalos são precisos e o som de fundo é leve, mas enfático, em volume baixo, porém presente. O olhar é fixo, e penetrante, ameaçador. Quando a câmera focaliza apenas em sua face todas essas características são enfatizadas e o ritmo da fala acompanha o crescimento da música ao fundo. Nesse momento Alvim utiliza as palavras de Goebbels em tom de ameaça.
Coincidência retórica
O dramaturgo tem como característica em toda sua carreira o uso da palavra, a valorização do texto. Em sua estética da penumbra, a pouca iluminação dá ênfase a voz do ator, exige preparação vocal rigorosa e entonação firme. Roberto Alvim dirige a si mesmo em sua declaração, de acordo com sua estética anterior no teatro.
Após o caos provocado pelo vídeo e suas citações não creditadas ao ministro da propaganda nazista Alvim publicou em suas redes sociais que foi apenas uma “coincidência retórica” e que não há nada de errado em sua fala, pois apenas gostaria de exaltar a pátria e os valores do povo brasileiro. As discussões do que é o nacional, do que é ser “brasileiro” são extensas demais para se tratar aqui agora, porém, definitivamente não é Richard Wagner.
Além disso, como falei anteriormente, Alvim é dramaturgo, montou cenários, peças a vida inteira, não existe coincidência na montagem da encenação, independente das palavras de Goebbels. É preocupante o rumo que a cultura toma no país. A arte segue resistente, disso não há dúvidas, porém, as dificuldades são cada vez maiores. A crise que passamos, é também estética, e não podemos novamente sucumbir à mediocridade, pois arte é resistência, arte é sempre política, ideológica, e quem disser que não é, com certeza quer esconder algo.
Veja o filme “Arquitetura da Destruição”:
Ademais, leia mais:
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Historiador, mestrando em história do Brasil. Se interessa por arte de todo tipo e suas ligações com história, política e com a vida.

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Crítica
‘Isto é Amor!’, saiba mais sobre o livro de Sonia Rosa, por Paty Lopes
Publicado
23 horas atrásem
3 de outubro de 2023Por
paty2606
Nia Produções Literárias nasceu em 2015. Veio de um desejo muito particular de levar literatura infantil com protagonismo negro a lugares não convencionais e assim alcançar um público que precisava, mas não conseguia ter acesso de forma “convencional” a essa literatura. Nia significa propósito, e com esse proposta que ela se sustenta por todo esse tempo (que parece ser pouco, mas só quem vive de empreender sabe o que cada dia a mais significa). Tatiana Oliveira, é a responsável pela curadoria dos livros editados pela Nia.
Vamos falar do livro “Isto é Amor!”. Obra da querida e renomada autora Sonia Rosa.
O livro apresenta ilustrações de Sandra Ronca, que não pecou. Podemos dizer que Sandra usou de toda sua aquarela em tons pastéis para ilustrações delicadas e que fazem bem aos olhos, posso dizer que uma das mais belas vista por mim.
Suavidade é o termo certo, mas que deixam as crianças conectadas.
Posso afirmar isso, pois li a história para crianças autistas no Museu de Arte Moderna, as crianças se encantaram com os corações e as demais figuras.
É possível entreter as crianças com as ilustrações do livro, em suas páginas, como já dito, notamos que as personagens trafegam em espaços diferentes, e também contém objetos que crianças em desenvolvimento da fala terão oportunidade de aprendizado, o que julgo importante, dependendo da fase que estão.
A gramatura do livro, das folhas, descartam a ideia de um livro simplório, se bem que nenhum livro é simplório, afinal são deles que adquirimos a maior riqueza da vida, o saber. Então posso dizer que temos um livro corpulento, que inclusive serve como um excelente presente de aniversário, de natal ou dia das crianças, afinal estamos em outubro e nada mais justo que incentivar a leitura dos pequenos. Mais que isso, aproximar-se, contar histórias, criar enlaces, que ficarão para a vida, na memória de cada criança.
O livro é mesmo um mimo, visita às estações do ano, permeia na escola, festa, praia, além de mencionar as frutas, tudo isso para falar sobre o amor.
Embora a autora tenha livros que abordem as relações étnicas-raciais, no livro Isto é Amor! Ela trouxe a ilustração de personagens negros somente, a história é aquela que todos conhecemos, ou quase todos, afinal falamos de um Brasil precário, em reconstrução, nem todas as crianças têm acesso à escola, alimentação sadia e infelizmente aos direitos que as cercam, os que estão no Estatuto da criança.
O livro faz entender o amor em amamentar, e tudo aquilo que nos leva a infância, como bolos, a presença da avó, banhos de mangueira, tudo simples e que cabe no bolso de qualquer pai e mãe. Isso é importante, não cria uma ilusão que para o amor é preciso tanto, o impossível para alguns pais. O que torna a leitura democrática. Curti bastante esse cuidado!
Esse livro foi criada para crianças negras? Já que as brancas não estão nas ilustrações? Claro que não! Eis aí um excelente momento de interatividade da criança e aquele que está lendo para elas, se for o caso.
Durante a contação de histórias, com crianças com síndrome de Down e autistas, em nenhum momento elas fizeram comentários, me fazendo perceber, que o racismo é coisa de adulto mesmo!
Caso as crianças questionassem, eu colaria fotos deles, da avó deles, ou abriria espaço para eles criarem os seus autorretratos, ao lado dos personagens, porque o que vale mesmo é que eles entendam que viverão em uma sociedade miscigenada, onde os direitos obrigatoriamente devem ser os mesmos para todos.
A saber, Sonia Rosa é carioca, mestre em Relações Étnicos-Raciais pelo Cefet/RJ, pedagoga, professora e contadora de histórias. Sua obra literária é repleta de personagens negros em protagonismo. Em 2020 comemora 25 anos de carreira, com mais de 50 títulos, sendo o primeiro “O Menino Nito”. Já recebeu alguns prêmios pela FNLIJ, inclusive o Altamente Recomendável. Alguns dos seus livros “visitaram” o Catálogo da Feira de Bolonha – maior evento de Literatura Infantil do mundo. Tem livros editados na França, países africanos de língua francesa, Itália, Galícia, México, Canadá e Estados Unidos. Dez bibliotecas levam o seu nome.
Para comprar: https://www.nialiteratura.com.br/product-page/isto-%C3%A9-amor
Por fim, leia mais:
Paty Lopes e o Livro Infantil: Meu Amigo Down
Paty Lopes e o Livro Infantil: O dia em que descobri o que é o Axé
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