Vou ser sincera com vocês: La Chimera não me pegou. É um filme bonito, com atuações ótimas e uma proposta um tanto quanto pretensiosa que, falemos a verdade, me incomoda. Eu sou adepta de filmes diferentes, considerados, pelo menos quando eu era uma recente estudante de roteiro, “cult” ou “alternativo”. São meus preferidos até hoje, os filmes que não te dão uma historia mastigada, os que te fazem pensar, analisar, que criticam e ousam. Mas gosto dos que fazem isso sem quererem mostrar que estão fazendo isso. Não sei se essa foi a proposta da diretora Alice Rohrwacher em La Chimera, mas foi o que me pareceu. Gosto menos ainda de estar falando mal de um filme feito por uma mulher, já que temos tão pouco espaço na mídia. Mas não posso ser mentirosa com os que leem, portanto, não, eu não gostei do filme.
Mas nem tudo é escândalo e não é um filme ruim, longe disso. Inclusive, acho que não é um filme para ser descartado, é bom assisti-lo. Só não é o tipo de filme que me agrada, e hoje falo mais público do que como crítica, porque esse filme me fez ter esse ímpeto, de discuti-lo como espectadora. Espero que vocês me deem esse aval por hoje. Aliás, sugiro, também, que leiam a crítica da Laura Tauk, do site Cinema e Café com Leite, pois a crítica dela é positiva, portanto, vocês terão um exemplo de cada tipo de opinião.
Mas sobre o que fala La Chimera?
Antes de tudo, acho importante explicar o que é “quimera”, tradução para o português da palavra italiana que dá título ao filme. Pois bem, segundo o dicionário, quimera é “o resultado da imaginação; o que tende a não se realizar; sonho, devaneio, ilusão”. É, portando, sinônimo de ficção, fantasia, imaginação. Com isso, é antônimo de realidade, verdade.
De acordo com a sinopse oficial do filme, todos têm sua própria Quimera, ou seja, algo que buscam, mas nunca conseguem encontrar. Para uma gangue de ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas, a Quimera significa o desejo pelo dinheiro fácil. Para Arthur, protagonista do longa, a Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Assim, para encontrá-la, ele desafia o invisível e procura por toda a parte em busca de um mitológico caminho para a vida após a morte (outro significado de quimera é “Monstro mitológico caracterizado por possuir cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente”). Numa jornada entre vivos e mortos, entre florestas e cidades, entre celebrações e solidão, desenrolam-se os destinos entrelaçados desses personagens, todos à procura da Quimera.
A partir de então, vemos Arthur desolado, desde as primeiras cenas, em uma busca incessante por sua quimera. Ou pela quimera perdida. Ou por seu sonho que nunca se cumpriu. Nisso, a fotografia de Hélène Louvart se faz certeira ao mostrar sempre Beniamina envolta em raios de sol, sempre etérea, como um sonho não realizado. A relação de Arthur com a gangue de ladrões se dá muito mais por ele sentir que pode tirar proveito da situação e, durante a busca por objetos, encontrar a mulher que ama, do que por de fato querer roubar túmulos. Ou seja, é um homem perdido, buscando seu destino. Afinal, não estamos todos nesse mesmo caminho?
Atriz brasileira
Entre ladrões e sonhadores, temos Itália, interpretada pela brasileira Carol Duarte. Itália representa mais uma em busca de um sonho, de uma quimera. Porém, em seu caso, muito menos egoísta que os desejos dos outros. Ela busca uma vida melhor para si e para sua família. E, em certo momento do filme, para todas as mulheres. Muito mais otimista do que a maioria dos personagens – e consciente também –, Itália consegue manter o coração puro, mesmo entre tantas adversidades. A atriz está ótima – e falando um italiano perfeito – no papel da personagem.
Perdoem se viajei demais, mas reconheci no filme, principalmente por causa da personagem de Carol, uma analogia ao capitalismo, colonialismo e às agruras do “novo mundo”, globalizado. “Tá doida, Livia?”. Pode ser, mas vem comigo!
Analogias
Itália vive na casa de Flora (interpretada pela maravilhosa Isabella Rossellini), uma professora de canto que vive em uma casa imensa e caindo aos pedaços. A mulher, certamente, outrora já foi rica e andou por meios sociais de elite, e vive ainda como se ainda estivesse naquela época. Apesar de achar que é humilde e ajuda a todos, na realidade trata Itália, que trabalha em sua casa em troca de aulas de canto, como uma tola burra. É possível entender que isso se dá pela mulher ser de classe social menos abastada e, também, imigrante.
Apesar de ela tratar Arthur como um rei e ele também não ser italiano. Arthur é inglês, ou seja, também veio da Europa. Ao cntrário de Itália, que é brasileira. Seu nome também traz uma crítica aí, já que não é possível que o nome do país tenha sido escolhido à toa. Seria Itália alguém tentando ser vista como alguém no país europeu, e sabe que só conseguiria isso se tivesse algo que a ligasse à Itália, nem que fosse o nome?
Ao mesmo tempo, Arthur, o único que fala inglês, vive roubando objetos valiosos de túmulos, muitos vindos de séculos atrás. Parte da História, talvez. Quem fazia isso? Os colonizadores. Os ingleses fizeram bastante, sabemos. Porém, a ingenuidade de Itália, sul-americana, a faz querer ajudar o inglês. Não imagino que tenham sido escolhas ao acaso. E todos estão em buscas de irrealidades, de sonhos, de quimeras. Para alguns, é o dinheiro. Para outros, territórios. E ainda para outros, uma pessoa. E, ás vezes, é só uma vida melhor. Contudo, sempre haverá contratempos. E muita gente sacana, em busca de suas próprias quimeras.
Conclusão
Enfim, acho que acabei de perceber, escrevendo essa crítica/resumo/análise que o filme é, sim, muito bom. Retiro o que disse acima, ele não é pretensioso. Ele é genial. Assistam! Já está nos cinemas brasileiros desde o dia 25 de abril. Corram antes que tirem de cartaz.
Ah! La Chimera concorreu à Palma de Ouro, o principal prêmio do Festival de Cannes. No Brasil, ganhou, ano passado, o Prêmio do Público de Melhor Filme de Ficção Estrangeira da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Por fim, fique com o trailer:
Ficha Técnica
LA CHIMERA
Itália, França, Suíça | 2023 | 130min | Drama
Direção e Roteiro: Alice Rohrwacher
Elenco: Josh O’Connor, Carol Duarte, Isabella Rossellini, Alba Rohrwacher, Vincenzo Nemolato, Giuliano Mantovani, Melchiorre Pala
Fotografia: Hélène Louvart
Montagem: Nelly Quettier
Desenho de som: Xavier Lavorel
Produção: Tempesta, Ad Vitam, Amka Films Production, RAI Cinema
Distribuição: Filmes da Mostra
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