Dirigido por Marianna Brennand, Manas é um filme sobre violência, abusos, família e acima de tudo, sororidade
Em um país tão vasto quanto o Brasil, cada região acaba apresentando o próprio bioma e suas próprias questões, algo que é transmitido de forma grandiosa em nossa cinematografia. Um filme como Deserto Particular (2021, Aly Murituba), apresenta um universo completamente diferente de uma produção como Cidade de Deus (2002, Fernando Meirelles), que por consequência é completamente diferente de um filme como Manas. O bioma é diferentes, as pessoas são diferentes, os problemas são diferentes, apesar de ser o mesmo país.
Por conta desta magnitude do Brasil, grande parte da população apresenta pouca, ou nenhuma consciência, do que ocorre fora de sua bolha Nordestina ou Sulina, por exemplo, não temos noção que enquanto uma pessoa morre no metrô de SP, ou moradores de rua são agredidos em Florianópolis, meninas da ilha de Marajó se prostituem em troca de celulares, sendo este um dos muitos temas discutido por Manas.
Confira abaixo o trailer de Manas e continue lendo a crítica
Por mais que eu tente nesta crítica passar uma ideia do quão impactante este filme realmente é, acredito que não apresento esta capacidade. Existem momentos da produção em que conseguimos ouvir um alfinete caindo na sala de cinema, de tanta tensão que permeia no ar, ao mesmo tempo que desejamos diversas vezes entrar dentro do filme e salvar Marcielle dos perigos que a rondam em seu universo e dentro da própria casa.
Manas conta a história de Marcielle, uma menina de 13 anos, que vive em uma comunidade ribeirinha na ilha de Marajó, com o pai, a mãe e três irmãos. Inspirada pela sua irmã mais velha Claudinha, que encontrou um “homem bom” na balsa e foi para bem longe, Tielle vive esperando este seu príncipe encantado, porém, na medida que percebe o mundo de violência e abusos em que está inserida, ela decide confrontar este sistema.
Manas não expõem visualmente os abusos sexuais que estas meninas passam, ao invés disso, coloca todos os sinais para que o público deduza o acontecimento, como por exemplo, a cena em que Marcielle vai caçar junto com seu pai Marcílio, Rômulo Braga. A câmera se aproxima de maneira claustrofóbica, observamos o pai cochichando no ouvido da menina de 13 anos, enquanto tenta ensiná-la a usar a arma, a respiração de Marcílio vai aumentando de volume e intensidade, se tornando mais rápida no processo, até que chega em seu volume máximo, logo antes de um corte seco em que vemos uma cena de Marcielle se lavando no rio, com um olhar estagnado e fixo.

Jamilli Correa e Rômulo Braga em cena de Manas- Divulgação oficial
Apesar de Manas lidar com temáticas semelhantes a outras produções nacionais como Iracema- Uma Transa Amazônica (1981, Jorge Bodanzky), que também lida com uma protagonista em uma situação semelhante à de Marcielle, eles apresentam uma diferença crucial entre si: a aproximação que Mariana Brennard constrói em cima do universo de sua protagonista e do papel da mulher, enquanto Bodanzky, em seu pseudo-documentário, focou mais no contexto macro-cósmico e nos problemas da Amazônia como um todo.
Com Manas, Mariana Brennard não pretende demonstrar uma saída para os abusos e violências que estas mulheres sofrem, seu maior objetivo é retratar estas histórias de união e sororidade entre elas, não a toa simpatizamos com a amizade de Marcielle e Cynthia, nos aprofundamos na relação da delegada com a protagonista, e o clímax do filme gira em torna da relação de duas irmãs. A roda do destino não liberta estas mulheres sem vozes, como a própria mãe de Tielle diz: “existem coisas que a gente não muda”, assim, que outra escapatória elas apresentam, a não ser assumir estes papéis de Cassandras modernas, sem voz e sem poder?
Manas é um coming of age ao demonstrar o amadurecimento de sua protagonista, na medida que Marcielle passa da fase de criança para uma consciência já de adulta, que nem mesmo sua mãe apresenta. Estas mulheres ainda estão presas no inferno, sem oportunidades de escape, o ambiente em si é repressor demais para elas, e nada parece que vai mudar, por exemplo, Tielle tem 2 irmãos mais jovens, o que garante que eles não seguirão nos mesmos caminhos do pai?

Jamilli Correa em cena de Manas- Divulgação oficial
A maior força de Manas, é usar Marcielle como alegoria para todas as mulheres que passam por algo parecido. Em certa cena do filme, sua mãe Danielle, que apresenta consciência dos abusos que a filha sofre, conta que foi expulsa de casa junto com a filha, Claudinha, e que Marcílio a acolheu e deu uma casa, deixando induzido que ele abusou dela e da filha, a tal ponto que Claudinha foi obrigada a fugir para longe com o seu “homem bom” da balsa, porém, a mãe ainda o defende, mesmo com esta consciência, demonstrando que por mais que tudo esteja errado, não é um assunto rápido ou fácil de se lidar.
Manas é um filme esteticamente agradável, com uma direção de fotografia exemplar, principalmente em seus momentos de aproximação com seus personagens e no uso da iluminação diegética em diversas cenas, com um roteiro sagaz e fluído no que pretende, não ficando cansativo em nenhum momento e que entende a inteligência do espectador, com temas que podem, e devem, gerar amplas discussões e atuações magistrais de todos os envolvidos.
Com distribuição da Paris Filmes, Manas estreia nos cinemas nacionais no dia 15 de Maio.
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