Escrito por Edward Ashston, Mickey 7 prova como o gênero de ficção científica pode alcançar sempre novos potenciais
A literatura de ficção científica surgiu no século XIX a partir da Revolução Industrial, a partir da ascensão forte do modelo capitalista, o imaginário coletivo humano começou a refletir sobre o caminho para onde todas aquelas máquinas e inovações poderiam levar a humanidade, afinal, após tudo isto, qual será o nosso próximo caminho?
Um dos primeiros exemplares do gênero foi Frankenstein (1818, Mary Shelley), um livro de terror sobre um cientista que decide criar o ser humano perfeito, com consequências desastrosas. Com o tempo, grandes autores se consagraram na exploração de tal gênero literário. Júlio Verne até hoje é uma das maiores referência neste campo, responsável por clássicos como Da Terra à Lua (1865) e Vinte Mil Léguas Submarinas (1870) e inspirando a imaginação de diversas gerações futuras.
O gênero de ficção científica se baseia em uma análise de especulação e de antecipação, na medida que baseado no presente, consegue-se imaginar diversos universos ficcionais tão semelhantes e ao mesmo tempo tão distintos do nossos, este é o caso de Mickey 7.
Mickey 7 se passa em um futuro aonde o ser humano busca uma conquista espacial, procurando um outro planeta para se chamar de lar. Assim, diversos homens e mulheres saem explorando o universo em gigantescas naves espaciais, dentro desta sociedade, eles ocupam diversas funções distintas como botânicos, militares, líderes e um dispensável.
Um dispensável é uma pessoa que é jogada ao perigo, com risco de morte, para assim evitar que as “boas pessoas” da colônia tenham o mesmo destino. Seja um vírus tóxico, um planeta nocivo que é necessário testar a existência de oxigênio, uma operação arriscada em que se deve consertar uma parte da fuselagem da nave, entre outras circunstâncias perigosas, o dispensável sempre é o “canário da mina”, aquele que morre primeiro para que outros não corram o mesmo risco. Após a morte, o dispensável é clonado em uma nova interação, para assim, continuar o seu ciclo eterno de morrer e viver “pela causa”.

Robert Pattinson como Mickey, em futura adaptação do livro- Divulgação Warner Bros
Mickey 7 gira em torno de Mickey, um dispensável, agora em sua sétima encarnação, que após ser dado como morto em uma missão, retorna para casa e encontra o seu próprio clone. A partir desta interação entre dois Mickeys, Mickey 7 discute com muito humor e ironia sobre filosofia, capitalismo, os perigos do totalitarismo e os limites humanos que conseguimos chegar.
Por meio de uma literatura fluida e rápida, com muitas digressões internas de seu protagonista, em poucos anos Mickey 7 se tornou um clássico, a tal ponto, que já receberá sua adaptação cinematográfica no dia 06 de Março de 2025, pelas mãos de ninguém mais, ninguém menos, do que Bong Joon-Ho, em seu primeiro filme após o sucesso estrondoso de Parasita (2019).
Veja o trailer abaixo de Mickey 17 e depois continue lendo a notícia
Inicialmente, fiquei curioso de porque Bong Joon-Ho, um cineasta tão renomado no mundo, vencedor de 3 oscars, um homem que produziu obras excelentes como Parasita e O Expresso do Amanhã (2013) e obras menores, mas tão belas quanto, como Okja (2017), decidiu adaptar este recente livro satírico de ficção cientifica. Após analisar sua filmografia, cheguei em uma conclusão bem simples: Bong Joon-Ho é um dos cineastas mais políticos que apresentamos atualmente, e Mickey 7 é um prato cheio para ele.
Diferente de grandes clássicos como 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968, Arthur C. Clarke), Planeta dos Macacos (1963, Pierre Boulle) e até mesmo a, também humorística, saga do Guia do Mochileiro das Galáxias (1979, Douglas Adams), Mickey 7 trabalha em uma escala menor, muito menor, pois discute muito mais sobre humanidade e os perigos de nosso presente, do que somente uma mera especulação de novos avanços tecnológicos do ser humano, ele é um livro sobre sociedade e humanidade, em segundo plano um de ficção científica.
Mickey 7 pode se incluir juntamente com Frankenstein de Shelley nos livros que nos avisam de futuros perigos, principalmente dentro de uma lógica capitalista de viver pelo trabalho, morrer, para depois ser substituído, uma óbvia alegoria representada com perfeição pela figura do dispensável.
Mickey 7 discute capitalismo e totalitarismo de modo humorístico e leve como poucas produções atuais conseguem, apesar de seu universo sombrio aonde o ser humano está preso em uma nave escura, com pouca comida, em um planeta de gelo que apresenta toupeiras gigantes, o livro de Ashton não perde o dedo da ironia em nenhum momento, isto que deve ter atraído Bong Joon-Ho, a ponto de este ser o primeiro filme do cineasta após suas vitórias no Oscar.
Em entrevista recente à Fangoria, Bong Joon-Ho define Mickey 17 como seu projeto de vida, tendo pensado nele desde 2001, 21 anos antes do lançamento oficial do livro, afinal, este sistema e a estrutura capitalista existe desde antes da revolução industrial que deu o boom na literatura de ficção científica. As idéias criativas sempre estão no ar, para um grande sucesso, somente é necessário um autor norte-americano escrever um livro político e satírico, um cineasta da Coreia do Sul entrar em contato com, e lançar aquele que pode ser uma das adaptações literárias mais interessantes dos últimos tempos.
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